Título: Lula desiste de tentar barrar CPI
Autor: Sérgio Prado e Daniel Pereira
Fonte: Jornal do Brasil, 30/05/2005, País, p. A3

Para evitar mais desgaste com a opinião pública, Planalto libera investigação, mas vai brigar para que comissão se restrinja aos Correios

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva mal desfez as malas e já arregaça as mangas para retomar as rédeas da articulação política e o diálogo com o Congresso. Hoje, na reunião do núcleo de coordenação do governo, o tema central será a CPI dos Correios. Na gaveta do chefe do Executivo, está uma solução que, se for levada adiante, mudará o eixo do debate em torno do assunto. O presidente estaria disposto a pedir que o PT e os partidos aliados toquem a investigação no Senado e na Câmara, doa a quem doer. Ontem, auxiliares de Lula diziam que o desgaste perante a opinião pública é enorme, e este viés de ação está sendo discutido no Palácio do Planalto. O presidente da República não estaria disposto a passar a imagem de que sua gestão acoberta a corrupção, segundo os auxiliares . Afinal de contas, Lula já pediu ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, todo o rigor na apuração pela Polícia Federal.

- Se houver investigação séria e punição aos culpados, acaba o problema - diz um auxiliar direto de Lula.

A idéia é reaglutinar o PT e passar para a opinião pública que o governo tem o compromisso com a bandeira da ética. Vice-líder do governo na Câmara, Beto Albuquerque (PSB-RS), que viajou com o presidente à Ásia, afirma que o presidente Lula demonstra serenidade quando fala do tema.

- A CPI é um fato concreto. Não se pode fugir dele, e o presidente disse que esse é um assunto do Legislativo - declara Albuquerque.

Por outro lado, o presidente Lula tem preocupação em evitar dois problemas sérios dentro do Legislativo, que surgirão com a CPI. São eles: operar com os partidos aliados para evitar que a oposição transforme os trabalhos apenas num palanque eleitoral e impedir que a investigação seja estendida a outras estatais.

- Isso realmente seria um desastre. Mas não vamos deixar que ocorra - garantiu Beto Albuquerque.

A operação para restringir a investigação aos Correios terá um round decisivo amanhã, quando a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara votará, se depender da base aliada ao governo, questão de ordem que alega a inconstitucionalidade do requerimento de instalação da CPI. Não haveria um ''fato determinado'' a ser apurado, como requer a Constituição, pois na justificativa do pedido de CPI a oposição fala em denúncias sobre supostos esquemas de corrupção em estatais.

Se a CCJ considerar inconstitucional o requerimento, a decisão terá de ser referendada pelo plenário do Congresso. Ciente de que a CPI pode ser mantida, o governo articula para controlar as investigações. Defende a tese de que o presidente e o relator têm de ser indicados pelos partidos com maior bancada na Câmara e no Senado - PT e PMDB, respectivamente. PSDB e PFL não abrem mão de um dos postos capitais. Alegam que o bloco que formam no Senado tem mais integrantes do que o PMDB. Daí, teria o direito à relatoria. A oposição também já deixou claro que só aceita votar a questão de ordem depois dos mais de 200 projetos que estão à sua frente na pauta da CCJ.

O Planalto avisa que jogará duro com o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) e o líder do governo no Congresso, Fernando Bezerra (PTB-RN). Eles reclamam das nomeações nos Correios. Não passou despercebida no Planalto a ameaça de Jefferson de envolver o chefe da Casa Civil, ministro José Dirceu, e o secretário de finanças do PT, Delúbio Soares, se a investigação do Congresso chegar perto do PTB.

O governo trabalha ainda com a premissa de que a oposição também terá muito a perder se radicalizar no Parlamento. Tanto que líderes do PSDB e do PFL já sinalizam que não apostarão na desestabilização do governo a ponto de prejudicar a chamada governabilidade.

Além disso, no PT há a convicção de que a CPI e a Polícia Federal, com quase certeza, fustigarão também tucanos e pefelistas. Tudo por que se houver um esquema pesado de corrupção dentro dos Correios, os crimes viriam desde o governo passado, raciocinam ministros e parlamentares petistas.

A crise da bancada governista e a CPI dominaram a chegada do presidente a Brasília vindo do Japão, depois de uma viagem de seis dias pela Ásia. Até foi divulgada a hipótese de o presidente fazer uma reunião ainda ontem, na Granja do Torto, com alguns ministros, para avaliar a situação. Mas até o início da noite não havia a confirmação do encontro, pois o presidente Lula estaria muito cansado.