Título: "A burocracia mete medo"
Autor: Alfredo Nascimento
Fonte: Jornal do Brasil, 30/05/2005, País, p. A2

BRASÍLIA - O governo anunciará dentro de dois meses o acordo financeiro costurado junto com o BNDES e empresas acionistas que dará partida ao projeto da ferrovia Transnordestina, aguardada alternativa de escoamento da produção agrícola do Centro-Oeste em direção ao mercado externo. A informação parte do ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, que explica a importância do projeto na solução de problemas graves da atual infra-estrutura de transportes do país. É essa obra, uma das prioridades do governo, que possibilitará desafogar o tráfego nos portos do Sul e Sudeste, por onde passam 87% dos produtos brasileiros exportados. O ministro tem parado pouco em seu gabinete. Boa parte do seu tempo é tomada em viagens para os locais das obras de restauração de rodovias. Ele admite que ainda há muito que fazer, mas afirma já sentir uma mudança no tom das reclamações. Se antes ouvia queixas sobre a inércia do governo, agora são cobranças sobre novas obras. Para ele, o tratamento dado aos transportes neste ano pode não ser o ideal, mas está bastante bom diante das situações que o setor já enfrentou. Refere-se, com este comentário, ao orçamento de sua pasta, contingenciada em R$ 1,3 bilhão no início deste ano. A dotação original, de R$ 5,5 bilhões, estaria dentro dos limites estipulados por estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento para completar a recuperação da malha rodoviária em um prazo de quatro anos.

- Na primeira coletiva que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu, a situação da estrutura de transportes no Brasil foi citada pelo presidente como um dos pontos em que não deu para se fazer o prometido. Qual a sua avaliação para a atuação do governo nesse setor?

- Teria que ter colocado mais dinheiro. O tratamento dado neste ano pode não ser o ideal, mas está bom. Principalmente se a dotação prevista de R$ 5,5 bilhões for de fato liberada, pois nós fizemos nosso projeto em cima disso. Se continuar esse volume nos anos seguintes, dá para fazer um bom trabalho. Estou até otimista com o que está acontecendo. O ritmo pode não ser o desejado, até porque não tem tanto dinheiro assim. Agora, a burocracia do governo é algo de meter medo em qualquer um, é um problema muito maior do que o dinheiro.

- A sua pasta acabou escapando do contingenciamento de fato?

- Quando anunciaram o contingenciamento, eu fiquei com uma dotação de R$ 4,2 bilhões. Estive com o presidente diversas vezes para demonstrar que não conseguiria cumprir as metas com esse valor. Mostrei para ele que seria impossível trabalhar com esse número e essa formatação, e ele deu um tratamento diferenciado para o ministério - o limite de R$ 4,2 bilhões está mantido, mas vale até quando eu conseguir terminar de gastar. Na hora que essa verba acabar, acho que em agosto, ele deve liberar o que está contingenciado.

- E como estão as obras já em andamento?

-Tem obra no país inteiro, e eu tenho viajado muito justamente por conta dessas obras. É engraçado, nessas viagens eu tenho reparado que o tom das reclamações mudou. Já estão me cobrando outras obras, o que eu tenho interpretado como um bom sinal, diante da situação que havia antes. Só que não tem como resolver tudo de uma vez, são 15 anos sem investimento em restauração de rodovias.

- O principal entrave é falta de verba?

- Tem também os problemas jurídicos. Um deles foi o processo de estadualização de estradas. Essas rodovias não estão sendo mantidas pelos estados, que vêem essa atribuição como do governo federal. Enquanto isso, a gente não tem como investir nesses trechos porque o TCU não deixa. Há rodovias muito importantes nessa situação, o que causa um desgaste muito grande. Um exemplo é a BR-135 que corta Minas Gerais de Norte a Sul. Não tem como o governo federal investir nela por conta da estadualização. São 11 mil quilômetros de rodovias no estado, precisando de restauração. O governo federal já repassou R$ 780 milhões para Minas, que ficou com a responsabilidade de manter quase 6 mil quilômetros, no final do governo FH. Foram R$ 500 milhões de repasse no governo Itamar Franco e R$ 280 milhões durante a gestão de Aécio Neves.

- E o dinheiro, para onde foi ?

- Não foi para as estradas. São 14 estados nessas condições.

- As Parcerias Público-Privadas (PPP) eram esperadas como a salvação para o setor, mas até agora não se concretizaram. Existem muitos projetos à espera dessa regulamentação?

- Há vários projetos sendo estudados, mas eu não aposto muito que a gente consiga fechar isso ainda neste ano. Apesar de várias empresas já terem se pronunciado, só quando os editais forem publicados que vamos ter a real dimensão dessa demanda. As concessões, por exemplo, já têm o estudo de viabilidade econômica, e as PPP ainda não têm esses estudos. Além disso, PPP pressupõe licitação pública, prazo, tempo... você não consegue tocar essa estrutura em menos de seis meses.

- O processo das concessões deve ser mais rápido, então? Já dá para prever o prazo de conclusão das licitações, início das obras?

- Já fizemos os editais, já preparamos audiência pública, enviamos para o TCU, e a nossa expectativa é que tudo esteja pronto para outubro e no ano que vem as obras já estarão em andamento. Ao todo, serão 3,5 mil quilômetros de rodovias concedidas. Não dá para saber ainda o volume do investimento porque o processo ainda está sendo analisado pelo TCU (Tribunal de Contas da União). O processo todo terá muita transparência com a realização do leilão, na Bovespa. Ganha quem apresentar a proposta de menor tarifa de pedágio e, em uma segunda fase, que apresentar o maior valor de concessão para o governo.

- E a questão dos portos no Sul e Sudeste?

- Todos esses terminais portuários somam problemas muito parecidos. Foram construídos na frente de grandes capitais, normalmente em áreas que não têm calado, essas áreas todas foram sendo cercadas pela população, então não tem mais retroárea para os portos. Existem todos os tipos de gargalos que se pode imaginar, mas o principal é a dragagem. De nada adianta criar todas as facilidades de acesso e trânsito se você não consegue entrar no porto com um navio de grande capacidade de absorção de carga. Porque mesmo com todas essas dificuldades de acesso, se você consegue ancorar um navio de grande capacidade de transporte de carga, você ganha tempo e dinheiro. Imagine um empresário que contrata um navio para transportar soja para a Ásia, um navio com capacidade de 80 mil toneladas. Quando chega a 40 mil ele não pode mais embarcar nada, porque o calado não sustenta, mas quem contratou paga o mesmo valor. Ou seja, o custo de transporte é muito maior nessas condições. Mas a idéia é que esse ano nós consigamos iniciar a dragagem dos 11 principais portos, responsáveis pelo escoamento de 85% das exportações brasileiras. Nós já começamos a dragagem do porto de Santos, também em Vitória (ES) e o Rio de Janeiro está fechando agora a licitação. É muito complicado esse processo porque é um grupo de empresas muito pequeno.

- Mas onde estão os projetos para criar alternativas no escoamento dessa produção?

Nós fechamos agora o acordo feito em torno da Transnordestina. O presidente Lula deve anunciar o formato final desse negócio dentro de dois meses. A equação econômica da Transnordestina está fechada via financiamento do BNDES, que participará como acionista, junto com a iniciativa privada. Agora os acionistas estão fechando com o BNDES a equação econômica, tamanho das participações, esses itens. Esse é um dos projetos mais importantes de todo o setor, porque o que causa mais problemas de congestionamento das cargas para exportação hoje é o deslocamento desse enorme volume de produção do setor primário, especialmente de grãos, toda para os portos do Sul/Sudeste. Enquanto isso o Nordeste tem três portos - Itaqui (MA), que tem a ver com a ferrovia Norte-Sul, Pecém (CE) e Suape (PE), em condições perfeitas, sem gargalos mas também sem acesso, o que será resolvido com a Transnordestina. Ela vai dar possibilidade de carga para a produção de todo o Nordeste, servindo também ao Centro-Oeste, e isso vai significar uma economia de tempo e de dinheiro para o produtor dessa região.

- O licenciamento ambiental continua sendo um gargalo de peso para as obras do setor?

- Como agora as obras estão concentradas em recuperar o que já existe, então a portaria conjunta que retirou a necessidade do mesmo procedimento de licenciamento ambiental para estradas antigas e novas resolveu 90% dos nossos problemas. Não havia sentido nessa exigência para recapear uma estrada, o Ministério do Meio Ambiente entendeu isso e nós chegamos a um acordo bastante benéfico. Existem ainda muitas dificuldades com obras de dragagem, por exemplo, sobretudo em rios, hidrovias. O rio Madeira, por onde passa muita carga, é um exemplo. Por conta do próprio regime do rio, acontece muito deslocamento de terra no leito. É comum, inclusive, aparecerem ilhas no meio do rio, o que provoca muitos acidentes. A dragagem é uma necessidade enorme por lá, mas licenciar uma operação dessas no rio Madeira é uma questão de anos. Por hora, a solução tem sido fazer o licenciamento de trechos do rio. Mas, de uma forma geral, a comunicação entre os ministérios melhorou muito. Eles têm mostrado boa vontade e nós aprendemos a falar a linguagem deles.