Título: Miro Teixeira: ¿Não adianta meia-sola na Constituiçao¿
Autor: Ana Carolina Gitahy
Fonte: Jornal do Brasil, 12/06/2005, País, p. A2

A experiência de 30 anos de Parlamento faz o deputado Miro Teixeira decretar: ¿É preciso absoluto estresse das relações para se melhorar a democracia¿. No oitavo mandato, Miro se diz desapontado com a política. Conta que, como ele, muitos parlamentares cogitam abandonar o Legislativo em função das denúncias de pagamento de propina em troca de voto. Advogado e jornalista, Miro já reforma seu escritório no Centro do Rio, onde concedeu essa entrevista ao JB, pensando em retomar uma das profissões no fim do mandato. Recupera o entusiasmo, entretanto, ao lançar o que considera a solução para a sucessão de crises que o governo enfrenta. Miro propõe convocar uma nova Assembléia Constituinte para revisar a Carta. Em sua avaliação, três pontos deveriam ser discutidos amplamente, sem o que chama de ¿soluções band-aid¿: o sistema tributário, o pacto federativo e a organização política e administrativa do Estado. Miro tem pressa. ¿ O que resta do meu coração revolucionário sugere a convocação de eleições ainda no fim do ano, com um mandato tampão de um ano.

Mas sua razão fala mais alto quando o assunto é o mensalão. Faz questão de dizer que sua responsabilidade não lhe permite revelar os segredos que Roberto Jefferson lhe contou: ¿Ele pode estar mentindo e não vou lançar lama sobre pessoas¿. A mesma sobriedade lhe impediu de denunciar publicamente a suposta existência de pagamento de mesada. ¿No Parlamento, você escuta falar de muita coisa. Até de disco voador.¿

- Por que o senhor guardou esse segredo sobre o mensalão por tanto tempo?

- O Roberto Jefferson é a testemunha dos fatos. Não eu. Ele me procurou em novembro de 2003, quando eu ainda era ministro, me contando essa história. Sugeri na hora que fôssemos ao presidente Lula contar isso. Ele se recusou. No ano seguinte, quando estava na liderança do governo na Câmara, voltamos a falar no assunto e propus denunciarmos o esquema em plenário. Ele se negou novamente. No Parlamento, você escuta falar de muita coisa. Até disco voador. Isso é diferente de saber algo.

- Mas uma história que tem tanta gente contando não passa a levantar suspeita de que seja verdade?

- Concordo com você. Por isso, andei atrás dessa história durante um ano e pouco, até bem recentemente. Falei com alguns parlamentares antigos na Casa para ver se isso poderia real. Esse é um tema que incomoda muitos parlamentares a ponto de vários estarem pensando em não concorrer mais.

- Não seria o caso de os parlamentares abrirem seu sigilo?

- Já é aberto. Todo parlamentar entrega sua declaração de imposto de renda. Não há embaraço nisso. Acredito, entretanto, que a Polícia Federal e o Ministério Público são os meios mais eficientes para investigar essa história. Li essa semana que diretor da PF, Paulo Lacerda, disse que eles poderiam investigar o suposto pagamento de mesada.

- O que falta para isso acontecer?

- Esse assunto acabará sendo investigado pela Polícia Federal. O mais importante nesse momento, entretanto, é separar as situações reais das de oportunismo. Tem uma coisa que é líquida e certa: Lula não admite corrupção.

- É um governo em má companhia?

- Essas avaliações são sempre muito temerárias, especialmente para quem é católico. Sair atirando pedras nos outros é algo que não se deve fazer. Precisamos buscar culpados. Se existe mesada, temos de saber quem a recebe.

- Não é importante apurar também quem paga o mensalão? Afinal, o PT, institucionalmente, não tem nenhum interesse em aprovar projetos.

-Você está vinculando o mensalão à aprovação de projetos.

- Essa é a denúncia.

- Corrupto é corrupto. É errado dizer que a corrupção está sempre ligada ao financiamento de campanha. O ladrão rouba porque quer enriquecer. Se houvesse essa relação direta você chegaria à conclusão de que nas ditaduras não há corrupção. Com relação a votações, o governo tem perdido todas.

- Mas já ganhou muitas.

- As votações que o governo ganhou tiveram apoio do PSDB e do PFL, e não há suspeita de que eles possam ter recebido mesalão. É temerário fazer associação entre a mesada e as votações.

- O que o Roberto Jefferson não falou?

- Para ser verdade absoluta, você tem de contar a versão completa. A omissão, às vezes, é tão relevante quanto a revelação. Por isso, fiz questão de frisar que ele não falou tudo. Vejo duas razões para isso: era mentira ou ele quer usar futuramente. Mas o dono do relato é ele. Não posso revelar isso por um dever de responsabilidade. Pode ser mentira. Vou falar uma coisa que vai lançar lama sobre pessoas? A palavra está com ele.

- Algum outro deputado lhe relatou a mesma história sobre mesada?

- Quando voltei à Câmara, comecei a perseguir essa história. Sempre que falava com os deputados, desses de boa reputação, eles me falavam a mesma coisa: 'já ouvi falar, mas nunca vi'. Assombração sabe para quem aparece. Os deputados com os quais converso se dizem igualmente incomodados. Mas esse tipo de coisa de ''está todo mundo comentado'' não está previsto nos Códigos.

- Como agir então?

- É necessário questionar por que surgem esses tipos de suspeitas, que tipo de controle público pode surgir para que a população fique tranqüila. Vislumbro a necessidade de uma nova Assembléia Constituinte. Não adianta remendo, meia-sola, aquela solução band-aid. É preciso redesenhar essa organização político-administrativa e tributária. Não teria ambiente sequer para cogitar a idéia de uma Constituinte ampla, porque isso envolveria a discussão de direitos sociais e geraria intranqüilidade. Mas a organização do Estado brasileiro está errada. É preciso rever em uma Constituinte restrita. Pode ser a revisão constitucional, que estava prevista e não se realizou. Em 1988, havia uma ordem para se fazer revisão cinco anos depois. Como não havia disposição política, queimou-se a ordem da Constituinte. Desde então, a Carta vem sendo remendada.

- O que seria revisto?

- Precisamos rever a constituição dos poderes, o pacto federativo - essa relação União, estado e município. Quando se pega a questão da segurança pública, por exemplo, o contribuinte não quer saber de quem é o problema. O modelo de polícia definido na Constituição está arcaico e é preciso revê-lo. Também há falhas no sistema tributário. A carga de impostos é muito alta.

- A reforma tributária não resolve?

- É preciso discutir a distribuição dos encargos e, a partir daí, ver quem financia os serviços públicos. É hora de se fazer uma discussão estrutural e não pontual. Precisamos discutir uma Constituição menos centralizadora.

- O que mudaria na organização do Executivo?

- O serviço é público, não do governo. Então, quando se muda o comando de um ministério, não se pode substituir todo mundo. É preciso criar um sistema de mérito para o servidor público, um mecanismo de progressão.

- Politicamente o que precisa mudar? A reforma política é válida?

- Essa proposta em discussão é uma anti-reforma. A reforma política vem andando desde 1997. Em 2006, aplica-se a cláusula de barreira, que prevê que os partidos devem ter 5% dos votos. Há uma ansiedade de acabar com essa cláusula. Se isso acontecer, haverá democracia sem voto. Vão continuar tendo 30 partidos. Isso é inexeqüível.

- A paralisia nas votações e a suspeita de pagamento de propina trazem um descrédito da população em relação ao Legislativo. Como conquistar eleitores cada vez mais desapontados?

- Posso dizer que dentro do Parlamento também têm pessoas desapontadas. Se estivéssemos no Parlamentarismo, seria o caso de convocar eleições. Ouso começar a pensar se no Presidencialismo também não é melhor que se tenha a flexibilidade de uma emenda constitucional, ou solução transitória até para um mandato-tampão.

- Por que o governo resistiu tanto à criação da CPI dos Correios?

- Faço uma pergunta: por que a CPI do Collor deu certo? Porque nenhum dos integrantes trabalhou partidariamente. Todos queriam a verdade. Participei de duas CPIs: a do Collor e dos Anões do Orçamento. Não faço CPIsmo. Uma comissão parlamentar de inquérito deve ser algo extraordinário. O instrumento foi vulgarizado. É claro que continua sendo um recurso da minoria. Quando você é governo e confia na apuração do Ministério da Justiça, pode dizer que não precisa de CPI.

- E o mensalão? Exige uma CPI?

- A população quer saber se existe mensalão, quem sabe e quem leva. Essa resposta deve ser dada. Outra questão importante é de onde vem o dinheiro. Pode vir do Executivo, de grupos empresariais. Por isso que digo, tem alguma coisa errada nessa organização.

- A Assembléia Constituinte corrigiria essas distorções?

- Estou muito entusiasmado com essa idéia. Claro que tem de se ir até o fim nas investigações, punir todo mundo. Mas não há adianta ficar nisso. Precisamos olhar a crise e responder por que isso pode estar acontecendo e fechar essas portas. Acredito que uma Constituinte restrita - sistema tributário, pacto federativo e organização do poder Executivo - é necessária.

- A idéia é fazer uma reorganização para reduzir o número de indicações políticas, limitar os cargos de confiança?

- É isso aí. Criar um sistema de méritos. A Itália resistiu à 10 quedas de governo em um ano. A estrutura da administração pública não se abalou.

- - O que seria necessário para convocar uma Assembléia Constituinte?

- Uma emenda de disposições transitórias. O prazo natural para que isso acontecesse seria as próximas eleições. Mas há outra fórmula um pouco revolucionária, que me agrada. Seria colocar em funcionamento no fim deste ano. Teríamos um mandato tampão de um ano, período em que funcionaria a Constituinte, e depois faríamos nova eleição. Há duas formas de se fazer: uma é colocar integrantes que se dediquem exclusivamente a esse trabalho, que depois não concorreriam à eleição, ou usar a fórmula de 1988, que era um Congresso Constituinte. Mas o que resta de um coração revolucionário prefere essa antecipação das eleições.

- O senhor já conversou com o presidente Lula sobre essa proposta?

- Não, fiz apenas algumas sondagens. Conversei com alguns colegas e eles concordaram que não há saída. Foi preciso se chegar a um momento de crise para se entender isso, quando isso poderia ter sido feito lá atrás. Você precisa chegar, lamentavelmente a um absoluto estresse dessas relações para se adotar uma solução racional, lógica para melhorar a democracia.