Título: Os incômodos aliados do Planalto
Autor: Israel Tabak
Fonte: Jornal do Brasil, 12/06/2005, País, p. A3

O agravamento da crise política reacendeu o dilema que aflige os partidos de esquerda desde que Luiz Inácio Lula da Silva se elegeu em 2003: como governar sem o apoio dos aliados de direita, não-ideológicos - ou pejorativamente chamados de fisiológicos? As denúncias e suspeitas de corrupção envolvendo PP, PL e PTB tumultuaram ainda mais a dúvida shakesperiana do Executivo : é hora de o governo destruir a ampla aliança, trazer o PMDB para mais perto e governar apenas com os aliados históricos? Ou é impossível aprovar os projetos de interesse do Executivo sem a ajuda dos conservadores? O depoimento do presidente nacional do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ), marcado para esta terça no Conselho de Ética, poderá ser um divisor de águas neste processo. Jefferson promete munição para explodir o PP e o PL de uma só vez. Um cardeal petista, em tom hiperbólico, afirma que poderemos estar diante de uma nova ''Noite de São Bartolomeu'', numa alusão à degola de três mil protestantes por líderes católicos franceses, em 24 de agosto de 1572. Neste cenário de guerra, os três partidos saíram fracos o suficiente para não impor nada ao governo.

A incerteza sobre o tamanho do estrago que Jefferson pode causar, contudo, não permite que os atores políticos dimensionem com exatidão o que vem pela frente. Certo é que os esforços para uma rearrumação da bancada governista, buscando torná-la mais homogênea e coesa, já começaram.

- É fundamental que o governo supere este momento definindo quem efetivamente o apóia. Se for necessário termos uma base mais reduzida, mas fiel, teremos que optar por esse caminho - defendeu o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP).

Setores do Planalto já se movimentam neste sentido. Como adiantou o Jornal do Brasil na edição da última quinta-feira, está em gestação uma ampla reforma ministerial, remanejando alguns titulares, exonerando outros, para dar maior eficiência administrativa à Esplanada. As mexidas também visam valorizar o PMDB, que dividiria a hegemonia da bancada governista com o PT. Mas a estratégia não é vista como solução por todos.

- Não podemos ficar reféns do PMDB. Eles também não vivem em um paraíso angelical - alertou um assessor palaciano.

O governo acaba ficando espremido na aritmética parlamentar. Somando o PMDB, o PT e os demais aliados de esquerda - contando com a possibilidade de trazer de volta PPS, PDT e PV - Lula contaria com pouco mais de 200 parlamentares, número insuficiente para abrir uma sessão deliberativa no Legislativo.

- A verdade é cruel: precisamos ter uma base de 300 deputados, para contarmos com 260 no momento necessário - acrescentou um governista.

O líder do PP na Câmara, José Janene (PR), disparou sua metralhadora giratória, afirmando que só pode ser taxado de fisiológico quem tem cargos no governo. Afirma que seu partido não nomeou ninguém na Esplanada, situação bem diferente dos tempos de Fernando Henrique Cardoso, quando a legenda comandava as pastas do Trabalho (Francisco Dornelles) e Agricultura (Pratini de Morais).

- Podem até falar mal do PTB, que está no governo e do PL, que é governo. Nós não. Somos independentes, votamos de acordo com as nossas crenças - jura Janene.

Se coloca petebistas e liberais na berlinda, Janene não poupa os petistas que defendem o rompimento do Executivo com os partidos de direita. Para Janene, esse conjunto de ''línguas pretas'' que se dizem ideológicos representam um freio para o desenvolvimento do país.

- Se o Lula escutar tudo o que eles têm a dizer e propor, vamos ver onde esse país vai parar - atacou.

O vice-líder do governo na Câmara, Beto Albuquerque (RS), que provocou um terremoto ao dizer que os aliados infiéis deveriam ser ''exilados na Sibéria'', amenizou um pouco o discurso nesta semana. Segundo ele, é preciso sim, premiar quem vota com o governo e punir os dissidentes. Mas isso não significa cortar partidos da aliança, apenas deixar claro com quem o governo pode contar em cada legenda.

- Esse é um momento de crise no qual não podemos ficar condenando indiscriminadamente ninguém. Mas temos que qualificar a nossa relação com quem deseja nos apoiar - defendeu Beto.