Título: Luta contra a pobreza
Autor: Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 12/06/2005, Internacional, p. A13

Em outubro de 2003, a Bolívia foi sacudida por uma onda de violentos protestos pela nacionalização dos hidrocarbonetos que culminou com a renúncia do presidente Gonzalo Sánchez de Lozada e a morte de 67 pessoas. Nas últimas três semanas, novas manifestações tomaram as ruas, deixando uma pessoa morta em Sucre e provocando a saída do chefe de Estado, Carlos Mesa. Dessa vez, além da estatização dos recursos energéticos, os manifestantes exigiam a convocação de uma Assembléia Constituinte, que dê maior representatividade aos indígenas no Congresso.

- Hoje eles têm grande possibilidade de conseguir o que querem. Têm líderes influentes, mobilização política, propostas visíveis. É um despertar indígena - afirma o sociólogo Alvaro Linera.

Conforme indica o cientista social Gustavo Pinto, a principal demanda, a nacionalização dos hidrocarbonetos, serviria para redistribuir às províncias pobres a riqueza que ainda é dividida desigualmente - 18% da exploração em imposto ao governo e o restante para as transnacionais. É uma proposta que tem respaldo na maioria da população de 9 milhões de pessoas. Nas cidades, 64% vivem em situação de pobreza. No campo, o número chega a alarmantes 80%.

- Os setores sociais não vêem a estatização dos hidrocarbonetos como uma alienação da economia globalizada, porque eles já se sentem marginalizados. Os pobres não têm nada a perder - afirma a historiadora Pilar Domingo.

- Quando se fala em nacionalização dos recursos naturais, não se pensa em economia fechada. Hoje, a exploração depende de investimento estrangeiro. Mas eles exploram e levam embora, não geram emprego, não diversificam o mercado. A idéia da estatização é fazer do Estado não o único, mas o principal sócio do negócio, para lucrar e investir em outras áreas - defende Linera.

De acordo com o sociólogo, a idéia é tomar como exemplo o modelo brasileiro: uma empresa energética forte, ao mesmo tempo globalizada e sob controle do Estado.

Ontem, o abastecimento de botijões de gás começou a ser normalizado na capital depois de um bloqueio de três semanas. Dezenas de caminhões deixaram Senkata, em El Alto, carregados em direção a La Paz, assim que as estradas foram desbloqueadas pela manhã.

O novo presidente, Eduardo Rodríguez, começou a montar seu ministério e convidou lideranças de El Alto, principal foco dos protestos, para uma reunião. Os manifestantes ameaçam retomar os bloqueios em 72 horas caso suas principais reivindicações não sejam atendidas. No Brasil, o governo descartou uma operação para retirar brasileiros da Bolívia.