Título: Crise na Bolívia expõe falhas da política externa
Autor: Ricardo Rego Monteiro
Fonte: Jornal do Brasil, 12/06/2005, Economia & Negócios, p. A21

A crise da Bolívia que culminou na última semana com a queda do presidente Carlos Mesa, e ameaçou o abastecimento de gás do país, até poderá render dividendos, a longo prazo, para a indústria petrolífera brasileira, na avaliação de especialistas do setor. Em um continente engolfado pelo nacional-populismo e marcado pela fragilidade democrática, a bacia sedimentar brasileira tornou-se a melhor opção de investimento para operadoras estrangeiras.

Especialistas em relações exteriores advertem, no entanto, que a crise boliviana demonstra que a liderança política e econômica que o governo brasileiro tanto almeja tem um preço por vezes muito caro a ser pago. Além de expor a suscetibilidade dos vizinhos com o expansionismo brasileiro, tais episódios servem de alerta para a necessidade de ajustes na política externa do país.

Ex-ministro das Relações Exteriores no governo Fernando Henrique Cardoso, o embaixador Luiz Felipe Lampreia não acredita em falência do projeto de integração regional. Alerta, no entanto, que, além de buscar um processo mais lento e gradual, o Brasil, na condição de maior economia do continente, deve apresentar contrapartidas de mercado mais atraentes para os parceiros. Tais premissas valem não só para o Mercosul, mas também para outros países sul-americanos.

- A integração latino-americana não só é viável, como deve ser um objetivo de nossa política externa. No entanto, os diferentes graus de evolução democrática e as desigualdades econômicas na região impõem dificuldades ao processo de integração - avalia Lampreia, ao justificar que, por isso, o governo brasileiro deve tomar cuidado para não impor um ritmo mais intenso do que os parceiros são capazes de assumir.

Para os especialistas, cabe ao governo, nesse momento, adotar um tom mais moderado no discurso integracionista. Embora defendam as prioridades do Itamaraty, que privilegia os países sul-americanos em sua estratégia de aproximação econômica, eles creditam ao histrionismo da atual diplomacia brasileira muitos dos melindres de vizinhos como o presidente da Argentina, Néstor Kirchner.

- A liderança brasileira é natural, não deve ser propalada. Isso incomoda muito os vizinhos - afirma Lampreia, que defende a redução da dependência do gás boliviano.

Com relação ao vizinho em crise, o consultor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-estrutura (CBIE), afirma que cabe ao governo brasileiro criar as condições para capitalizar os dividendos da crise. É chegada a hora, segundo ele, de se tirar da gaveta o tão esperado marco regulatório do setor de gás natural, que vem sendo elaborado pelo Ministério de Minas e Energia desde que Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a presidência.

- Sem esse marco regulatório, os investidores estrangeiros do setor petrolífero até virão para o Brasil, que é um país com menor risco político. O problema é que eles virão com uma volúpia menor do que a necessária para se desenvolver o mercado local - analisa Pires, crítico da política energética do governo Lula.

- A ascensão do nacional-populismo no continente inviabiliza qualquer projeto de integração latino-americana. Enquanto (Hugo) Chávez governar a Venezuela, (Néstor) Kirchner, a Argentina e a Bolívia estiver sob controle de Evo Moráles, não há como se falar em integração latino-americana - critica o consultor do CBIE, que identifica a crise boliviana como a maior das lições para o governo brasileiro.

O diretor do escritório brasileiro da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), Renato Baumann, avalia como temporário o atual recuo na integração da América do Sul. À medida que a infra-estrutura física do continente for interligada, Baumann acredita que serão reduzidos a zona de atrito entre os países e os riscos políticos para os investidores da região.