Título: Um futuro sem grades
Autor: Gustavo de Almeida e Waleska Borges
Fonte: Jornal do Brasil, 12/06/2005, Rio, p. A26

O Ministério da Educação vai investir em quatro frentes de trabalho no segundo semestre para conter a violência escolar em todo o Brasil ¿ no Rio de Janeiro, já estão sendo preparados módulos de projetos como o Escola que Protege, experiência que vem dando certo em Fortaleza, Belém e Recife. E uma novidade: alunos das universidades federais UFF, UFRJ e UNI-Rio que moram em comunidades carentes farão trabalhos técnicos em seus locais de moradia de acordo com sua área de especialização. Quem garante o início dos trabalhos é o secretário especial de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad/MEC), o economista Ricardo Henriques.

¿ Precisamos ¿republicanizar¿ o sistema de ensino, criar um ambiente que mobilize, que crie expectativa nos alunos e nas comunidades. Antes de qualquer coisa, a escola não pode internalizar o discurso de repressão e disciplina que se usa na segurança pública ¿ diz Ricardo.

O Ministério da Educação assegurou na sexta-feira passada uma verba de R$ 2,4 milhões este ano para repassar a prefeituras, secretarias de educação, universidades públicas e entidades sem fins lucrativos que apresentem projetos na área educacional com fins de aplacar a violência nas escolas.

O programa Escola que Protege, do MEC, foi criado para capacitar professores para verificar abusos e violência sexual desde dezembro de 2003 e prossegue até o final do ano em escolas da rede estadual na Baixada Fluminense e em Niterói e São Gonçalo. O projeto, segundo Henriques, vai muito além do proposto inicialmente, a partir do segundo semestre.

Também pela rede estadual na Baixada Fluminense, São Gonçalo e Niterói o governo federal vai criar o Escola Aberta, segundo o qual as escolas ficarão abertas nos fins de semana e se tornarão referência cultural e de ensino à noite.

¿ Vamos receber analfabetos funcionais e dar cursos, não podemos deixar este trabalho só para igrejas e centros comunitários ¿ diz Henriques.

O Escola Aberta prevê a formação, em parceria com a Unesco, de professores capacitados para mediação de conflito.

¿ Também precisaremos de profissionais para identificar as vocações no entorno das comunidades, saber que serviços há e quais podem ser acionados nos fins de semana, de modo a atrair os jovens para dentro da escola. Acredito que seja possível fazer um trabalho que não seja apenas de tutela, que não fique restrito a levar aquilo que consideramos bom na sociedade tida como erudita. Um festival de hip-hop, por exemplo, tem um efeito muito benéfico para uma comunidade ¿ explica Henriques.

O representante da Unesco no Brasil, Jorge Werthein, acredita que não há apenas uma solução para resolver os problemas de violência nas escolas. Segundo ele, há uma série de medidas que devem ser adotadas. Werthein apresenta o diálogo entre alunos, professores e diretores como a principal mudança:

¿ Nas escolas, o que se impera é a lei do silêncio ¿ lamenta Werthein.

De acordo com o representante da Unesco, há duas semanas a entidade negocia com o ministro da Educação, Tarso Genro, a implementação em larga escala do programa de mediação de conflitos nas escolas públicas do país. O programa já funciona com êxito em escolas da Argentina, Canadá, Espanha, Inglaterra e França.

¿ No programa de mediação de conflitos é assim: professores, jovens, pais e diretores são capacitados para perceber o problema e intervir para solução ¿ explica Werthein.

O representante da Unesco também defende a abertura das escolas nos finais de semana para diminuir a violência. Segundo Werthein, medidas repressivas, como instalação de detectores de metais, não funcionam no ambiente escolar.

¿ A escola que se abre nos finais de semana para comunidade com atividades culturais também se acolhe ¿ analisa Werthein lembrando que no Brasil há seis mil escolas abertas nos finais de semana atendendo, mensalmente, cerca de cinco milhões de pessoas.

Para o sociólogo e pesquisador Ignácio Cano, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, as escolas deveriam contar com programas de conscientização de violência para professores, pais e alunos.

¿ Não podemos sonhar que a escola vai acabar com os problemas de violência sozinha. Há também a violência extra-escolar. Neste caso, o problema deve ser resolvido com intervenções sociais ao redor da escola ¿ comenta Cano.

A defensora Simone de Souza, da Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (CDEDICA), lembra que, por causa da violência, atualmente, há vários casos de professores licenciados por problemas de saúde.

¿ Deve-se resgatar a estratégia de valorização da cidadania nas escolas ¿ ressalta a defensora.

Para a coordenadora-geral do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe), Gesa Linhares, os poderes municipal, estadual e federal deveriam se unir para buscar uma solução. Ela sugere a imediata convocação das autoridades para uma audiência pública.

¿ Não se pode colocar um policial em cada escola. Esta medida seria apenas mais uma ação de intimidação ¿ comentou.

O promotor Márcio Mothé, coordenador do programa de justiça terapêutica do MP e promotor titular junto à 2ª Vara da Infância e da Juventude, é realista e dispara:

¿No Rio de Janeiro, como a maioria dos crimes têm a ver com uso e tráfico de drogas, ou seja, mais de 60%, o contato com essa realidade acaba tornando as crianças cada vez mais viciadas precocemente. As pesquisas têm revelado o uso cada vez mais cedo de maconha e outras drogas. O Brasil sofre um problema sério por não considerar cola de sapateiro e solvente substâncias ilícitas. Quem cheira cola ou tíner não comete ato infracional. Há uma verdadeira concorrência desleal entre o bem o o mal. O tráfico é atraente, proporciona dinheiro e falsa sensação de poder, pelo manuseio de armamentos. Por outro lado, as chances de emprego são cada vez piores e o futuro não é promissor. Se o poder público não consegue proporcionar sequer educação, parece que chegamos ao fundo do poço.