Título: Medicina preventiva e estresse (final)
Autor: Sergio Abramoff
Fonte: Jornal do Brasil, 11/06/2005, Outras Opiniões, p. A11

já vimos nas últimas semanas, o estresse e a tristeza são inerentes à realidade que nos cerca, e para que a possamos transformar, faz-se necessário inicialmente um trabalho sobre nossa própria natureza. Um bom princípio, como vimos, é não nos deslumbrarmos demais com as visões do mundo, para que não percamos nosso olhar para dentro, voltado à nossa essência e a nossas verdadeiras necessidades.

Um segundo movimento seria abafarmos um pouco também nossa audição, para que pudéssemos seletivizar aquilo que merece ser ouvido. Quer seja em telejornais, novelas ou outras programações (onde prevalecem a violência, corrupção e assuntos desprovidos de maior interesse), quer seja em atividades sociais (em que prevalece a conversa sobre o negativo, fofocas ou atitudes reprováveis de pessoas próximas ou estranhas), a verdade é que tanto o sagrado, como o cultural ou o político, tiveram quase todo o espaço cedido ao supérfluo .

Deveríamos rever a seguir nossas reais necessidades e prioridades. Perdemos o gosto pelo simples, e os que são obrigados a viver em simplicidade invejam as posses dos mais abastados, que por sua vez invejam a felicidade cotidiana, das pequenas coisas, dos menos favorecidos, que por sua vez não sabem que são felizes. E por aí vamos, de desencontro em desencontro, de procura em procura, daquilo que nos falta para aquilo que se desencanta tão logo conquistado.

Esta sensação de falta geralmente nos transporta, na ilusão de um desejo, a um futuro qualquer (quando eu chegar ali, conseguir comprar aquilo, fazer aquela viagem, ficar livre deste aperto financeiro, etc), e esta antecipação e conseqüente ansiedade, geralmente são importantes precursores do estresse.

Outro movimento para longe do presente, também gerador de estresse, é o habito de remoermos o passado, o intransformável, o irrecuperável, o dito ou o não-dito, em um contínuo desgaste que, paradoxalmente, só nos deixa mais e mais pesados à medida que o tempo passa.

No que se refere à minha prática de consultório médico, este estresse é traduzido no corpo na forma de sintomas repetitivos e resistentes a variados esforços de tratamento. Os mais comuns são dor de cabeça e tonteiras, palpitações e hipertensão arterial, sudorese excessiva e síndrome do pânico, diarréia, gases e prisão de ventre, dores lombares, tensão pré-menstrual, alem do enfraquecimento do sistema imunológico com conseqüentes intercorrências virais, como a gripe ou o herpes.

Para minimizarmos o estresse, precisamos exercer continuadamente a discriminação daquilo que por uma ou outra razão se transformou em um prejuízo real em nossas vidas, e economizarmos nossa energia para futuros desafios. Lido cotidianamente com seres humanos, e desconheço um que se apresente sem perdas ou faltas. A alegria me parece muito menos decorrente de contínuos e esfuziantes motivos de felicidade, do que da maneira com que nos relacionamos com essas faltas, com a capacidade de percebermos um outro sentido para o direcionamento de nosso foco de investimento.

Finalizando, devemos todos fazer uma revisão de nossas verdadeiras metas e intenções, procurar reposicionar nossa atenção em direção ao presente, ao coletivo e ao bem comum, e à medida que mais e mais dentre nós formos bem sucedidos, certamente a sociedade que nos cerca se revelará menos asfixiante e ameaçadora.