Título: Sem gás, indústria perde fôlego
Autor: Mariana Carneiro e Fernando Exman
Fonte: Jornal do Brasil, 11/06/2005, Economia & Negócios, p. A17

A indústria paulista pisou no freio, à espera do desenlace da crise do gás na Bolívia. Os empresários temem que o racionamento do combustível afete o desempenho do setor e já buscam alternativas. O risco de desabastecimento foi tema de conversa entre a ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, e dirigentes da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). - Estamos muito preocupados - admitiu o diretor da área de infra-estrutura da Fiesp, Saturnino Sérgio da Silva. - A maior distribuidora de gás de São Paulo tem dois terços de seu fornecimento do gás boliviano. As outras duas utilizam 100% de gás daquele país.

A ministra tentou acalmar os empresários, mas reconheceu que, se o fornecimento for interrompido, o Brasil tem apenas 15 dias de estoques de gás natural. Dilma afirmou que o governo brasileiro trabalha com um plano que tem duas frentes para enfrentar a crise boliviana. Em um primeiro momento, a idéia é adiar ao máximo o contingenciamento, o que será feito com a substituição do gás por outros combustíveis, quando isso for possível. Na outra ponta, um plano de racionamento está sendo estruturado com agentes do setor de energia, indústrias e grandes consumidores.

Além disso, a ministra comentou que estão sendo tomadas providências na Bolívia para o escoamento dos líquidos extraídos nos poços da Petrobras, o que acabará com as dificuldades de transporte de gás para o Brasil.

Informações recebidas pelo governo brasileiro indicam que a situação na Bolívia melhorou, mas o cenário permanece incerto. Na avaliação do presidente da Fiesp, Paulo Skaf, a crise no país vizinho preocupa, mas não adianta sofrer por antecipação.

- As primeiras atitudes já foram tomadas e nesse momento é bom ficarmos atentos - afirmou.

Saturnino Sérgio da Silva, no entanto, destacou a necessidade de se combater a vulnerabilidade do país no abastecimento de gás. Hoje, apontou, o Brasil é dependente de um único fornecedor.

- Passada a crise, precisamos pensar em como resolver essa vulnerabilidade - disse.

O diretor da Fiesp disse ainda que, durante a reunião, um dos participantes informou que já havia começado a estocar óleo para suprir uma possível falta do insumo.

- Quem possui alternativa, vai usá-la. Mas a maioria não tem outra saída - disse, citando como exemplo a indústria cerâmica da região de Rio Claro, no interior do estado, que abandonou o óleo combustível na conversão para o gás.

Sobre a possibilidade de ocorrer a estatização das empresas de gás natural na Bolívia, a ministra Dilma disse que isso não significaria a expulsão dos estrangeiros que atuam naquele país. Ela disse ainda que o governo brasileiro está trabalhando para aumentar a produção doméstica de gás.

Ontem, o comissário-geral do Comissão de Serviços Públicos de Energia (CSPE), Zevi Kann, disse que estima que o Estado de São Paulo começaria a sentir em uma semana os efeitos de um eventual corte total do fornecimento.

- Numa interrupção total, o que é muito pouco provável, com o gasoduto como está hoje, com as termelétricas desligadas, haveria o prazo de uma semana para o contingenciamento - disse.

A distribuidora Comgás, cujos 79% da produção são destinados à indústria, informou ontem que prepara um plano de contigenciamento de gás.