Título: Quanto custa ao país 1% de juro?
Autor: Rubens Penha Cysne
Fonte: Jornal do Brasil, 14/06/2005, Economia & Negócios, p. A20

Em trabalho recente publicado na série Ensaios Econômicos da EPGE, de número 584 (What Happens After the Central Bank of Brazil Increases the Target Interbank Rate by 1%?), apresento estimativas econométricas da evolução de algumas variáveis macroeconômicas quando o Banco Central eleva a taxa básica da economia brasileira em 1%. Como todo trabalho baseado em regressões, tais estimativas refletem a escolha de um modelo e necessariamente sujeitam-se a vários condicionantes de ordem técnica, devendo ser interpretadas com cautela. No presente artigo deixo de lado tais aspectos, remetendo o leitor mais interessado em questões técnicas ao trabalho original, que pode ser obtido no site http://epge.fgv.br/portal/arquivo/1805.pdf.

O atual ¿método dos dois alvos¿ de contenção da inflação (predeterminação da inflação e da taxa Selic) originou-se em 1999, após o abandono da ancoragem cambial. Grosso modo, o controle da inflação é efetuado controlando-se a oferta de reservas bancárias de forma que a taxa de juros de empréstimos entre bancos se situe ligeiramente acima daquela que seria determinada pelo nível de inflação esperada. Subliminarmente, tal política deve também ser coerente com o controle de longo prazo da expansão dos agregados monetários, este o determinante histórico da taxa de inflação.

Com taxas flexíveis de câmbio, a elevação dos juros pelo Copom reduz o consumo de bens duráveis, induz firmas a reduzirem seus estoques, reduz o preço do dólar e, com ele, os preços dos bens cotados em dólares, o que inclui todos os produtos importáveis e exportáveis da economia brasileira. Ao contrário do que muitas vezes se afirma, portanto, não são apenas os preços das importações que contribuem para o desaquecimento da inflação. Os produtos exportáveis também dão sua contribuição.

Como em economia ao se cobrirem os pés sempre se descobre a cabeça, os efeitos colaterais da elevação do juro são uma redução de curto prazo do crescimento dos bens e serviços finais produzidos pela economia, da oferta de empregos e, mais adiante, do saldo da balança comercial. Deve-se também observar que a elevação dos juros (sobre sua dívida) pagos pelo governo ao setor privado confere à política do Copom um ¿efeito tarja preta¿: para manter o resultado, a dose tem de ser majorada com o passar do tempo.

As estimativas pontuais mostram que um por cento de subida de taxa de juros do Copom implica uma queda inicial de produto entre 0,04% e 1%. Em um horizonte de quatro anos, o ciclo gerado por tal ação implica uma queda acumulada de produto entre 0,04% e 0,25%. O impacto sobre a taxa de inflação, também em um horizonte de quatro anos, é de uma queda em torno de dois por cento. Os dados mostram também que a resposta da economia a uma elevação do juro do Copom em 1% é da ordem de 3,5 a 6 vezes mais elevada hoje em dia do que teria sido no ambiente de alta inflação pré-Real. Variações da taxa de juros efetuadas em função da política do Copom explicam hoje em dia algo da ordem de 9,2% das oscilações não antecipadas do ciclo econômico.

Trata-se a elevação dos juros pelo Banco Central de uma política não ideal para o País, no sentido de que mais eficiente, e de mesmo efeito qualitativo contra a inflação, seria uma redução dos gastos públicos de custeio. Contudo, admitindo-se que tais gastos públicos estejam fora do alcance decisório do órgão responsável pelo controle da inflação (premissa assumida pelos bancos centrais independentes em todo o mundo), a não-implementação de uma política monetária austera (reduzindo-se ou mantendo constantes os juros quando há pressões altistas de preços) também tem custos para o país: o custo da inflação e o custo da quebra de credibilidade no sistema de metas. Portanto, política não ideal não é sinônima aqui de política que não deve ser implementada. Há de se mensurarem custos e benefícios de ambos os lados.