Título: Será o Delúbio Azul?
Autor: Ubiratan Iorio
Fonte: Jornal do Brasil, 13/06/2005, Outras Opiniões, p. A11

Com bastante espanto e formidável desencanto, muitos já conseguem perceber que o PT não tem nada de santo e que, muito pelo contrário, as décadas em que viveu afastado do poder fizeram com que, tendo-o ocupado - mediante o que hoje se afigura com um dos maiores estelionatos eleitorais de nossa república - se atirasse ao pote com sede de camelo depois de longa travessia no deserto. A chuva de denúncias de que a mídia tem-se ocupado desde que explodiram a questão da ECT e da bomba das graves denúncias dos ''mensalões'', feitas por um deputado que já teria pouco a perder, fazem com que o sofrido povo brasileiro esteja se sentindo em um deserto de ética, em um descampado de moral e em um solitário abandono, por parte de nossos políticos, no que se refere à defesa dos interesses dos cidadãos.

Como? Trinta mil por mês e mais um milhão por ano para cada parlamentar que se prestasse ao papel de participar desse tipo de negociata, para votar favoravelmente ao governo? Se isto corresponde à verdade, se realmente aconteceu, se não foi mais do que um pesadelo ou então um troco sem ética de um aliado alijado do poder por denúncias de corrupção, em que e em quem podemos confiar? Se tais agenciamentos, conduzidos por um certo Delúbio - que, certamente, nada teria de azul - de fato aconteceram, o que mais podemos esperar? Se, precisamente neste momento tão preocupante para quem faz da honestidade um hábito permanente, o governo nomeia os membros do Conselho Nacional de Justiça, com o fito de cercear a ação independente daquele que poderia ser o derradeiro bastião de esperança de um mínimo de moralidade, o Judiciário, o que pode pensar o cidadão consciente, o mesmo de quem são brutal e solertemente arrancados os frutos de praticamente cinco meses de seu trabalho sob a forma de impostos? Se o presidente da República - que se intitula de federativa, mas que é mais centralizadora do que muitas ''ditaduras'' - sabia dessas práticas por parte de seu partido e calou-se, cosa si può fare?

Em um momento gravíssimo como o que o país vive, tendo já o escândalo das fétidas negociatas abalado o comportamento da economia e tisnado de lama duas instituições fundamentais para o regime democrático republicano - o Congresso e o Executivo -, o mínimo que se deve exigir, mas com a intransigência dos justos, é que todas essas denúncias sejam investigadas até as últimas conseqüências, que todo esse ar exalando fedentina seja purificado e que todos os responsáveis, uma vez comprovada sua condição de traidores do povo, sejam exemplarmente punidos. É o que brada, do fundo da alma, cada brasileiro correto, cada um dos que padecem horas nas filas do INSS, ou que são maltratados por uma saúde pública irresponsavelmente ineficiente, ou que são assaltados nas grandes cidades por bandidos de todas as espécies, ou que são entregues à sorte se tiveram a desventura de nascer pobres, mas que, mesmo sem ter lido Camões, repetem com ele: ''Ó pérfida, inimiga e falsa gente''!

Tudo isto necessita ser investigado até o fim, é o que o ludibriado povo de todos os cantos do Brasil exige, com a autoridade de quem elegeu esses que putrefazem o ambiente político e perigosamente ameaçam, com sua imoralidade, abalar uma democracia ainda incipiente. É, enfim, chegado o tempo de parar de fazer pizzas: punição para todos os culpados, sejam do governo ou não! Se as denúncias são falsas - embora seja difícil crer que o sejam -, que os denunciantes (um deputado e um governador) sejam punidos; se corresponderem à verdade, é caso flagrante para um impeachment! Tanto na primeira quanto na segunda hipótese, é o que pode salvaguardar as próprias instituições democráticas.

Exigimos saber se as águas do Delúbio são azuis ou têm a cor dos excrementos que tornaram o ar vindo de Brasília insuportável. Definitivamente, a imensa maioria de nosso povo, formada por gente honesta e trabalhadora, não merece respirar este ar contaminado pela falta de vergonha na cara de uns poucos!