Título: O cheque especial e o poder dos bancos
Autor: José Fajardo e Marcelo Maciel da Fonseca
Fonte: Jornal do Brasil, 13/06/2005, Economia & Negócios, p. A18

O tema relativo aos juros cobrados no cheque especial tem sido debatido de forma mais intensa tendo em vista a discussão acerca do poder de mercado dos bancos. Como esta modalidade de crédito apresenta os maiores custos aos correntistas, argumenta-se que o cheque especial é um empréstimo com características muito distintas das outras modalidades de financiamento, como, por exemplo, a compra de um automóvel em 36 meses. Esta diferença explicaria o grande diferencial cobrado aos correntistas que porventura estejam com suas contas negativas e que utilizam o cheque especial. Cabe esclarecer que se uma pessoa está deficitária (conta devedora) e faz uso de recursos de terceiros (banco) para se financiar, temos claramente um empréstimo. Por definição, não existe diferença entre financiar um automóvel ou ingressar no cheque especial. Analisemos então qual a dinâmica por trás desse empréstimo. Quando um banco estabelece um limite a um determinado correntista no cheque especial (CE), este o faz com base em informações cadastrais deste correntista (informações comerciais, histórico em outras instituições de crédito, avais, garantias, bens, etc.), além de contar com a vida pregressa dentro da própria instituição que analisa o crédito. O objetivo dessa pesquisa é o de reduzir o risco de inadimplência (não pagar empréstimos) relativo a falta de informação, que é inerente ao mercado de crédito. Agora, analisamos o que ocorre no dia-a-dia. As pessoas costumam ingressar no cheque especial por dois motivos: 1 ¿ Por motivos de emergência em função de um gasto inesperado, que não tenha sido orçado e que não pode ser postergado; 2 ¿ Por um descasamento momentâneo em seus fluxos de caixa, devido a um atraso de recebimento ou antecipação de algum pagamento que havia sido programado para ser efetuado mais à frente.

Esse tipo de situação, que tem por característica o gasto inesperado, faz com que qualquer chance de ¿levantar da cadeira¿ e buscar a taxa mais barata do mercado bancário seja minimizada, isto sem levar em conta o fato de que as pessoas costumam ser correntistas de um único banco, diferentemente das empresas. Isso inibe as chances de verificar no mercado quais os custos mais competitivos para esta operação. Dessa forma, como descrito acima, a concorrência entre os bancos fica muito reduzida. O que ocorre pelo lado dos bancos? Do ¿CE¿ são cobradas altas taxas de juros, pois entende-se que os riscos são elevados e que pelo fato de serem empréstimos não previstos isto possa incorrer em custo de oportunidade às instituições financeiras. Ao argumento do alto risco temos a análise prévia do cadastro do cliente, na qual o banco pode checar sua qualidade e histórico no mercado, e, no limite, pode adequar os valores disponibilizados no ¿CE¿ à sua capacidade de ressarcir o banco em casos de inadimplência (execução das garantias). Sob o ponto de vista do custo de oportunidade temos que o descompasso causado ao banco (as instituições financeiras não podem prever com exatidão o montante a ser disponibilizado para empréstimos ao cheque especial) poderia gerar algum tipo de custo a ser repassado no empréstimo, contudo, este custo pode ser mitigado via utilização do passivo bancário não aplicado em empréstimos (depósitos de correntistas que não tenham sido reinvestidos no sistema via empréstimos em outras modalidades).

A parte interessante: muitos bancos costumam oferecer empréstimos de prazos mais longos, com juros mais baixos, a correntistas que estejam com limites tomados no ¿CE¿. Argumentam que, dessa forma, o cliente estará fazendo uma boa troca financeira, o que é de fato verdade, isto tudo sem prejuízo ao limite do cheque especial, que permanece inalterado e pronto para novos saques. Ora, se o risco é elevado, como entender que o banco ofereça empréstimos a juros mais amigáveis e com prazos maiores? Um argumento seria o de que os bancos só fazem esta oferta para bons clientes. Então por que esses bons clientes não receberam oferta de juros menores no ¿CE¿ antes? Será isso o reflexo do poder dos bancos? Cabe ao governo e, em última instância, ao Banco Central uma análise mais adequada do problema e providências no sentido de estimular a efetiva concorrência do setor bancário, o que certamente reduziria os altos juros cobrados aos correntistas.