O Estado de S. Paulo, n. 46628, 16/06/2021. Economia & Negócios, p. B6

País recua anos na Amazônia, diz ‘pai da sustentabilidade’

Luciana Dyniewicz


A adoção de princípios sociais, ambientais e de governança (ESG, na sigla em inglês) por empresas em todo o mundo não será suficiente para deter as mudanças climáticas, na avaliação de John Elkington, conhecido como “pai da sustentabilidade”. Segundo o inglês, é essencial que os governos também atuem nessa área, criando políticas públicas como impostos para emissão de carbono – o que não vem ocorrendo no Brasil.

“As empresas não conseguem fazer isso sozinhas, mesmo as maiores não conseguem. Elas podem fazer mudanças substanciais, mas dependem de governos para agir. Você tem de mudar o mercado onde elas atuam. Mas o reconhecimento da necessidade do governo está se espalhando rapidamente”, afirmou Elkington ontem em palestra online do Summit ESG 2021, evento promovido pelo Estadão, que vai até sexta-feira.

Criador do conceito “tripé da sustentabilidade” (segundo o qual, para ser sustentável, uma empresa precisa ser financeiramente viável, socialmente justa e ambientalmente responsável), Elkington destacou que países da União Europeia, além do Reino Unido e dos Estados Unidos, estão trabalhando para que uma transformação verde se viabilize. O mesmo, porém, não tem ocorrido na América do Sul e, principalmente, no Brasil, afirmou.

Elkington abordou os retrocessos na conservação da Amazônia, mas destacou não se tratar de uma crítica apenas ao governo de Jair Bolsonaro. “Isso não é especificamente contra o governo Bolsonaro, mas uma das minhas maiores preocupações é que esse governo reverteu o progresso de anos de tentativa de desacelerar a destruição da Amazônia.”

De acordo com ele, a saída da crise ambiental não ocorrerá se toda a população global não trabalhar de forma conjunta – daí a necessidade de o Brasil também colaborar e preservar o ambiente.

“O que estamos tentando fazer na União Europeia e em outras partes do mundo não será suficiente. A covid nos mostrou que a pandemia e a mudança climática só serão solucionadas se tivermos uma solução global. Se nos unirmos.”

O inglês afirmou ainda que investidores e órgãos internacionais não deverão ajudar no trabalho de preservação ambiental do Brasil se o próprio governo não adotar iniciativas que façam isso.

“O investidor de fora tem de ter confiança de que está investindo em cadeias de valor e de que o governo vai assegurar que pessoas normais não continuarão destruindo o ambiente. O governo precisa mostrar que o ambiente, nesse caso a Amazônia, é um ativo. Senão, ninguém vai investir no longo prazo.”

Transformação. Elkington afirmou acreditar que o capitalismo é o futuro, mas não em sua forma corrente. Segundo ele, o padrão estabelecido por Milton Friedman, em que empresas deveriam buscar apenas o lucro, ficou ultrapassado e a mudança será rápida porque a pressão sobre as companhias aumentou muito conforme as expectativas em relação a elas foram se alterando.

A indústria automotiva foi o exemplo dado pelo consultor. No caso do carro elétrico, disse ele, há 15 anos, poucas companhias apostavam que o veículo seria adotado em larga escala. Agora, há 500 empresas no mundo estudando o produto. “Vamos ver vários tipos de indústrias se extinguirem, e isso vai acontecer em diferentes velocidades, em diferentes locais do mundo”, destacou, acrescentando que se adaptar é essencial para a sobrevivência.

Na visão de Elkington, é necessário regenerar não só as empresas, mas o sistema econômico, para garantir a sobrevivência das sociedades. Essa transformação, porém, já é possível ser vista nas escolas de negócios, onde os alunos não são mais treinados apenas para “ganhar muito dinheiro”, disse.

“ESG ainda é algo reativo, mas há uma mudança fundamental no modo de o mundo pensar. Governos, pessoas e empresas estão começando a se preocupar se nossos sistemas – nossa sociedade, nossa economia, nossa política – vão durar o suficiente para nos sustentar. E muita gente tem concluído que não. Portanto, o que veremos é uma expansão do que será esperado em termos de responsabilidade dos mercados e dos governos. E o ESG faz parte dessa responsabilidade.”