O Globo, n. 32790, 17/05/2023. Opinião, p. 2

Nova versão de regra fiscal ainda desperta dúvidas



O relator do Projeto de Lei (PL) do arcabouço fiscal na Câmara, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), apresentou na segunda-feira mudanças no texto encaminhado pelo governo. O Congresso deverá votar agora o pedido de urgência para que o texto seja examinado pelo plenário a partir da semana que vem. O substitutivo de Cajado traz avanços importantes em relação à proposta do governo. Mesmo assim, continuam a pairar dúvidas sobre a capacidade de o novo arcabouço funcionar e garantir a estabilidade da dívida pública.

No formato original, o PL propunha um acompanhamento frouxo das contas ao longo do ano. Relatórios sobre receita e despesa do governo, hoje bimestrais, passariam a ser feitos apenas em março, junho e setembro. Em caso de risco para a meta de resultado primário, o governo não precisaria bloquear gastos. Cajado restabeleceu a periodicidade bimestral e a obrigatoriedade de cortes, ainda que de forma mais branda na comparação com a regra atual. O bloqueio proposto tem um limite para preservar um nível de gastos classificado como “mínimo”, que não poderá ser inferior a 75% das despesas discricionárias.

Ainda entre os avanços, o texto de Cajado prevê travas à irresponsabilidade fiscal. Se o governo não cumprir a meta de um ano, ficará proibido de criar cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa, de instituir ou aumentar auxílios e de conceder ou ampliar incentivos fiscais. Em caso de reincidência, ficarão vetados aumento ou reajustes ao funcionalismo, além de concursos públicos. Cajado também reduziu as exceções no cálculo da meta fiscal proposto pelo governo. Passarão a ser computados entre as depesas o Fundeb (da educação), aumentos de capital de estatais e gastos com o piso nacional de enfermagem.

Apesar do esforço do relator em chegar a uma proposta conciliadora, fica a impressão de que ele parou de corrigir os problemas do texto antes da hora. Se o projeto ficar assim, o ajuste será lento, pois a limitação do aumento do gasto em 2024 será inócua (ele poderá crescer 2,5%, o máximo permitido). A base das despesas será ampliada, com a inclusão de novos créditos adicionais. Fora isso, a exclusão de aumentos reais para o salário mínimo das travas propostas por Cajado criará problemas com os gastos na Previdência e gerará pressão sobre outras despesas. E, ainda que representem avanço, as travas se estendem demais no tempo. Um governo irresponsável poderá empurrar o ajuste com a barriga por anos sem sofrer sanção.

O modelo proposto por Cajado, assim como o PL do governo, continua dependente de forte aumento das receitas para funcionar, porque tem um mecanismo poderoso de elevação do gasto. A regra continua sendo ruim, pois despesas que crescerão puxadas pelos vínculos constitucionais (como saúde e educação) pressionarão inevitavelmente os demais gastos em qualquer momento de ajuste.