Título: Além do Fato: Oportunidade quase perdida na economia
Autor: Léo de Almeida Neves
Fonte: Jornal do Brasil, 15/06/2005, Economia & Negócios, p. A20

A prática desde setembro de 2004 de política macroeconômica destoante da nossa realidade resultou no desperdício de oportunidade excepcional para o Brasil repetir e até aumentar em 2005 o crescimento do ano anterior de 4,9% do Produto Interno Bruto (PIB), acompanhando os ventos favoráveis do comércio e da economia mundial. Contrastando com o panorama externo, o Copom do Banco Central semeou aqui os tenebrosos ventos dos juros altos e do câmbio apreciado e já está colhendo as primeiras tempestades. Os dados oficiais do IBGE sobre o 1º trimestre deste ano em comparação ao trimestre anterior são alarmantes: a produção industrial caiu 1% e serviços 0,6%; o nível de investimentos recuou 3% e o consumo privado das famílias 0,6%. A situação só não ficou pior porque a agricultura cresceu 2,6 % e a exportação, 3,5%.

A economia mostrou que não agüenta ao mesmo tempo duas âncoras de combate à inflação: a monetária (juros elevados) e a cambial (real valorizado). Ou o Banco Central modifica rapidamente sua rota, ou o Brasil vai amargar incremento do PIB em torno de 3% em 2005.

Ninguém duvida de que maiores juros Selic são inócuos em relação aos preços administrados pelo governo (energia, telefone, transporte coletivo e outros), os quais, contrariando a filosofia do plano Real, prosseguem indexados, alimentando a inflação inercial. Pior, a telefonia tem reajuste pelo IGP-DI e a energia elétrica pelo IGP-M, índices sempre acima do IPCA, que rege a inflação oficial.

Enquanto quase nada representou para a queda de preços, a taxa Selic provocou quatro efeitos profundamente perversos:

1- Aumento da dívida pública interna que se aproxima de R$ 1 trilhão, uma vez que o superávit primário do orçamento cobre só parcialmente o pagamento dos juros. 2- Valorização artificial da cotação do real em relação ao dólar, superior às demais moedas submetidas ao câmbio variável, porquanto atrai aplicações financeiras externas especulativas de curto prazo, que vêm auferir lucro certo e sem risco com a mais alta taxa de juros do universo (renda líquida de 13,75%). 3- Houve, outrossim, estímulo às importações e a viagens de turismo ao exterior e desestímulo às exportações de produtos menos competitivos como calçados, têxteis, móveis, componentes industriais e outros.

Segundo Ivan Ramalho, secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 900 companhias (a maioria pequenas e médias) e 600 itens novos incorporaram-se à nossa pauta de exportação em 2004, composta em valor de 56% de manufaturados. Lamentavelmente, o real valorizado fez com que, em maio/2005 comparado a maio/2004, 259 empresas deixassem de exportar, conforme levantamento da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB).

4- Arrefecimento do ânimo empreendedor com o adiamento de projetos de construção, ampliação e modernização de indústrias, principalmente aquelas voltadas à exportação.

Diferentemente de nós, em 25 de maio último a Argentina dobrou para 365 dias o prazo mínimo de permanência das aplicações financeiras do exterior, com a justificativa de não apreciar o peso, agora em torno de 2,90 por dólar. A Colômbia igualmente perfilhou esta regra em fins de 2004 e o Chile anos atrás; ao revés, o Brasil se mantém escancarado ao chamado ¿capital motel¿, chega e sai à vontade no momento que quiser, com total liberdade de movimentos.

É bom lembrar que, em 2004 e nos primeiros meses deste ano, a cotação do real e do peso argentino estavam praticamente em linha, a ponto de muitos defenderem a idéia dos dois países adotarem moeda única, valendo-se da paridade.

O CMN vai fixar neste mês de junho a meta de inflação para 2007, que precisa ser realista e considerar também a necessidade do país crescer para reduzir os assustadores níveis de desemprego, um dos fatores da criminalidade. Impõe-se, ademais, a humildade de rever o percentual de 4,5% em 2006, passando-o no mínimo a 5,1%, tolerada diferença de dois pontos e meio. É preciso recordar e levar em conta que apenas nos anos de 1946 e de 1998 a inflação ficou abaixo de 5,5%, e não se vislumbrou melhoria social ou econômica naqueles períodos.

Com os bons fluídos da viagem presidencial à Coréia e ao Japão, firmando compromissos de joint-ventures e de prováveis grandes investimentos no Brasil, afora linhas de créditos e perspectivas de intensificar o intercâmbio comercial, havia fundadas expectativas de que o presidente Lula retornasse com iniciativas inovadoras e corretivas do planejamento estratégico. Por exemplo, estabelecer política macroeconômica e fiscal consentânea com nossa conjuntura, que combata a inflação e simultaneamente impulsione o aproveitamento do nosso formidável potencial de trabalho e de riqueza.

Por sinal, os economistas reunidos no 1º Encontro Nacional da Sociedade Brasileira de Economia Política, dias 26 e 27 de maio último, aprovaram a ¿Carta de Campinas¿, criticando juros altos, a ortodoxia monetária de metas de inflação irreais e a livre movimentação de capitais de curto prazo, que favorecem a apreciação da moeda.

Todavia, o presidente Lula, convertido por Palocci e Meirelles, persevera na crença dogmática de que haverá o milagre do crescimento sustentável do Brasil por 10 a 15 anos, com a continuidade de juros acima e dólar abaixo. Oxalá o milagre se realize, sob pena de infelicitar o povo e comprometer o futuro da Nação, ou então que se desvaneça a miragem e se vislumbre o rumo certo.