Título: Para além da crise
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 17/06/2005, Opinião, p. A10
Medida de salvação do Palácio do Planalto para ''estancar'' a crise ou estratégia real rumo a um novo dimensionamento dos gastos públicos, merece aplausos a disposição do governo na implementação de um programa econômico de longo prazo, centrado na busca do equilíbrio nominal das contas públicas. A proposta da equipe do ministro Antonio Palocci é definir metas fiscais para os próximos cinco a seis anos. Assim, o governo seguiria a rota da eliminação gradual do déficit nominal - que, em 2004, foi de 2,66% do Produto Interno Bruto; e, neste ano, pode subir para 3,6% do PIB, em decorrência dos sucessivos aumentos das taxas de juros. Caso se confirme, constitui-se numa das mais relevantes medidas para que o país possa criar mecanismos sólidos de boa governança, imprescindíveis para a sustentabilidade do crescimento econômico. Mais: é condição essencial para a desejável redução das vulnerabilidades que ainda afligem a economia brasileira. A essa medida soma-se a desejável intenção de promover uma reforma administrativa, com a qual se pretende reduzir o custo da máquina pública, além de extinguir e remanejar funções de secretarias especiais.
A saída do ministro José Dirceu, anunciada ontem, promete ser a primeira de uma série de mudanças na equipe do presidente Lula. Uma reação necessária. Com a reforma administrativa, o governo não apenas sinalizará austeridade para a opinião pública como iniciará um profundo processo de inibição da corrupção. Assim sublinhou o editorial de ontem do JB: contra o olhar guloso dos incontáveis caçadores de dinheiro público e para combater os gastos crescentes do Estado, convém pensar urgentemente numa drástica redução dos cargos de confiança.
O princípio é correto. Não pode, contudo, resumir-se a ações pontuais de curto prazo para anular o desgaste decorrente da mais séria crise que se abateu sobre o atual governo. Insista-se: o Brasil precisa de uma ampla reforma fiscal. Recompor a qualidade das despesas públicas e retomar o equilíbrio nominal das finanças do Estado são tarefas que ajudarão a reduzir acentuadamente o ''risco-país'' e, portanto, os juros reais. Recriam-se, com tais compromissos, condições para retomada dos investimentos, do aumento da oferta de bens e serviços e, evidentemente, do crescimento econômico.
Há um monumental desafio a enfrentar: consolidar mecanismos que permitam um maior controle dos gastos públicos e promover uma radical reestruturação do Estado. Uma das saídas é a diminuição do engessamento do Orçamento. Cerca de 90% das receitas já têm destinação ''carimbada'': cobrem gastos como pessoal e previdência ou exigidos pela Constituição, como saúde, educação e ciência e tecnologia. Uma generosidade que se revela bonita no papel, mas inviável na prática.
O governo deseja desatar esse nó por meio de um aumento progressivo da Desvinculação das Receitas da União - que atualmente separa das vinculações cerca de 20% da receita total da União. Palocci e sua equipe reconhecem a importância de romper com tais amarras para extirpar determinados males nacionais - como os juros altos, o nível elevado da dívida pública e o asfixiante volume de impostos.
É importante ainda que o compromisso com as metas fiscais seja defendido pessoalmente pelo presidente Lula: ''Este país vai manter uma política fiscal forte, vai gastar apenas aquilo que ele pode gastar e não aquilo que os interesses eleitorais permitiriam'', afirmou o comandante petista. Um sinal de maturidade.