Título: Por um novo Estado
Autor: João Capiberibe
Fonte: Jornal do Brasil, 17/06/2005, Brasília, p. D2

Vivemos um quadro de crise. Seria querer cobrir o sol com uma peneira negar que os últimos acontecimentos envolvendo o Poder Legislativo, o Poder Executivo e partidos políticos afetam a imagem das instituições nacionais.

A corrupção não é novidade em nossa história. Desde o descobrimento até hoje, de tempos em tempos, o Brasil revela mazelas, falcatruas e ações que só entristecem, envergonham e desestimulam a honestidade de nosso povo. No entanto, o que parecia se transformar em algo até banal, ainda que inaceitável, começa a despertar mais do que indignação em nosso povo: podemos constatar, ao lado da decepção, uma revolta contra o Estado brasileiro e no sistema representativo.

O que estamos assistindo não é a deterioração da imagem de ministros, senadores, deputados, e sim o descrédito generalizado nas instituições democráticas. A maior parte da população brasileira, particularmente os mais de 52 milhões de eleitores do Presidente Lula, não votaram nas últimas eleições nacionais para caucionar este tipo de práticas políticas. Ao contrário, votaram na mudança, votaram em novos rumos econômicos, com maior igualdade social e em uma política pautada pela seriedade.

O triste espetáculo assistido pelos brasileiros está, exatamente, na contra-mão das expectativas dos eleitores. Além do mais, nos colocou a todos, homens públicos, na vala comum da desonestidade, da má fé com a coisa pública. É bem verdade que estas práticas nefastas permeiam boa parte do Estado brasileiro, quer seja na esfera federal, estadual ou municipal, alcançando os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Trata-se, por enquanto, de uma crise conjuntural, mas que pode, no entanto, se transformar em institucional, chegando a atingir a própria governabilidade. E isto não interessa ao Brasil. Ela, como crise política, deve ser resolvida por nós, detentores de mandatos eletivos, que fomos escolhidos pela sociedade para representá-la e conduzi-la.

Não devemos adotar, nesse processo, postura maniqueísta, permanecendo em um debate de surdos, com a oposição tentando desgastar o governo e a situação procurando desqualificar as críticas. Precisamos ir além, partindo para uma agenda concreta e buscando proporcionar à população brasileira as soluções que ela demanda. Precisamos abrir novos caminhos. Esta é a nossa tarefa. Vivemos uma crise política que precisa ser resolvida por nós, políticos.

A presente crise portanto, pode ser encarada como uma oportunidade para que o País rediscuta temas tornados essenciais pela reação do povo ao que lhe parece uma quase falência das instituições. É esse povo que nos coloca uma pauta para a grande discussão nacional.

Entre essas questões está a reforma do Estado, de modo a profissionalizá-lo e a equipá-lo, reduzindo drasticamente os cargos de livre nomeação, ao mesmo tempo em que se viabilize a possibilidade de imediata sanção aos que incorrerem em qualquer tipo de desvio de conduta ao gerir a coisa pública.

Exige-se ainda a reforma política, estruturada de forma a delinear de vez limites claros entre o público e o privado. Estariam nela medidas que fortaleçam efetivamente os partidos, que estabeleçam o financiamento público de campanhas e eliminem os atuais modelos de custeio, que estabeleçam efetivo compromisso entre os eleitos e os programas partidários, que aproximem os representantes dos representados, que utilizem mecanismos da democracia direta.

Deve-se exigir, nesse contexto, absoluta transparência das contas públicas e, mais do que isso, de todos os atos públicos, utilizando para isso os instrumentos de informática que estão em nossas mãos. Os adolescentes e jovens que vivem nesse novo mundo, utilizando de forma intensa esses recursos, que tendem a constituir o mais democrático dos meios de comunicação, serão os grandes usuários desses sistemas de controle social da ação do Estado.

Só assim se conseguirá redesenhar o quadro institucional de nossa democracia, permitindo superar as atuais resistências e criando um novo civismo. Especialmente entre os jovens, devemos superar a anomia e, porque não dizer, a revolta, que crescem cada vez mais. Apenas nós, representantes do povo, representantes da Federação, temos condições para isso. Não podemos perder essa oportunidade, no momento em que mais somos necessários ao País.