Título: Um perigo à vista
Autor: Ives Gandra Martins
Fonte: Jornal do Brasil, 16/06/2005, Outras Opiniões, p. A11
Em meu livro Uma visão do mundo contemporaneo, publicado em 1996, alertei para o inequívoco perigo de que, com a evolução da tecnologia da informação e com o crescimento do assalto de hackers aos melhores sistemas de segurança, o mundo correria o risco, um dia, de ter as fórmulas sobre a produção de energia atômica em mãos de grupos terroristas ou de narcotraficantes, criando um fantástico poder de chantagem sobre qualquer governo ou país.
Previ, em outro contexto, no referido livro, que Nova York - ou uma outra grande cidade - poderia ser escolhida para algum atentado de grandes proporções, o que, infelizmente, ocorreu com a tragédia das duas torres.
Dias atrás, o ex-secretário de Estado dos Estados Unidos, Robert MacNamara, alertou o mundo para o mesmo problema, mostrando que corremos sérios riscos de ter o segredo e a fabricação de artefatos atômicos em mãos de terroristas ou narcotraficantes.
A própria tentativa dos países de acordarem uma não-proliferação de armas atômicas peca pela não aceitação, por parte dos países possuidores de imensos arsenais atômicos (EUA e Rússia), da destruição dessas armas, o que divide o cenário mundial em nações de 1ª e de 2ª classe, ou seja, aquelas que estão proibidas de evoluir na tecnologia nuclear e aquelas que possuem armas de destruição em massa.
Dizia Albert Schweitzer que ''o exemplo não é a melhor forma de educação, mas a única'', com o que - à falta de exemplo dos países mais nuclearizados - diversos outros já desenvolveram seu arsenal próprio, como a China, Paquistão, Índia, acreditando-se que a Coréia do Norte e Israel já possuem suas armas atômicas, inserindo-se no grupo da ''elite mortal'', com França, Inglaterra, China, EUA e Rússia.
Parece-me, pois, que o mau exemplo americano e russo não está facilitando a redução da corrida armamentista, principalmente das nações que não aceitam sua liderança, decididamente rejeitada pela maioria dos países árabes ou de culto muçulmano, pela desastrada intervenção de Bush no Iraque, conseguindo arrassar uma nação, gerar uma guerra civil interminável, onerar a economia americana e sacrificar milhares de vidas de inocentes e dos próprios soldados dos EUA. Neste quadro, o SIPRI, instituto fundado por Gunnar Myrdal, após a 2ª guerra mundial, em seu relatório anual para o ano 2004, declarou que a corrida armamentista levou as nações a gastarem mais de 1 trilhão de dólares, em armas, ou seja, praticamente o dobro do PIB brasileiro!!!
O alerta que fiz, em livro, em 1996, e que MacNamara faz agora, deve ser objeto de efetiva preocupação das nações, principalmente na medida em que os serviços de inteligência dos países não conseguem detectar os pontos de ignição do terrorismo, nem do narcotráfico, continuando, o mundo, à mercê de tais elementos de desagregação e descontinuidade.
Parece-me que um esforço global deve ser realizado, efetivamente, pelas nações, que poderia começar pela modificação de postura e eliminação do arsenal atômico daquelas nações que não querem abrir mão do poder de destruir o mundo e que desejam que as outras nações não adquiram tal poder. Somente com tal exemplo, o mundo passaria a ter condições de combater, com eficiência, e não com mágoas, ressentimentos, reservas e salvaguardas, o risco anunciado por mim, no passado, e por MacNamara no presente.
Infelizmente, os falcões americanos e russos, assim como os senhores do poder e do mundo, não pretendem perder o direito de ameaçar a humanidade e, com isto, não evitam a proliferação de armas, que um dia cairão, desgraçadamente, em mãos de terroristas e narcotraficantes.
Temo pelo pior, apesar de acalentar a esperança de que o risco faça surgir a lucidez.