Título: Em busca de uma nova onda
Autor: Mariana Filgueiras
Fonte: Jornal do Brasil, 20/06/2005, Rio, p. A13

Chá de fita cassete, anti-respingo de solda e microponto de grafite. Drogas consumidas principalmente em raves e micaretas, elas podem ter efeitos mais destruidores do que o uso do álcool, maconha e cocaína. O alerta é da psicóloga Sabine Cavalcanti, do Conselho Estadual Anti-Drogas (Cead). Trabalhando no ambulatório do Cead, onde atende aos mais variados casos de dependência química, a psicóloga explica que o consumo de `múltiplas substâncias¿ ¿ como são especificadas tais novidades nos relatórios da instituição ¿ é feito em conjunto com outras drogas, como álcool e cocaína, por adolescentes cada vez mais jovens e não-iniciantes. ¿ Durante os relatos, os adolescentes contam que usam com outras drogas. Isso nasce de um excesso de criatividade mal-aproveitada, é a turma do `vamos experimentar¿. Eles procuram novidades a qualquer custo. O último caso que atendemos de ingestão de chá de fita cassete, por exemplo, foi de um jovem de 16 anos, num nível de intoxicação que eu nunca tinha visto. Eles não têm idéia de que isso é a mesma coisa que chá de chumbo, ou seja, contaminação por metal pesado ¿ preocupa-se a especialista.

Outra novidade que é moda nas micaretas e nas raves do país já chegou ao Rio: o anti-respingo de solda. Encontrada em lojas de ferramentas, a R$ 15 o tubo, a substância química é usada originalmente para evitar a aderência de respingo de solda em peças e acessórios. Nas festas, no entanto, ela é usada como inalante. O produto também é conhecido como `primo do lança¿, pois, segundo os usuários, o efeito é parecido com o do lança-perfume.

Produtor de uma empresa de organização de micaretas no Rio, Fabrício Ferreira diz que tem conhecimento do uso do anti-respingo. De acordo com ele, a segurança nas festas foi reforçada para impedir que jovens entrem com estes produtos.

¿ Existe sim, mas nas raves tem mais. Eles sabem que vão ter dificuldades para entrar nos eventos com o produto e fazem concentrações para consumir antes, em postos de gasolina ¿ informa Fabrício.

O produtor de eventos M., de 32 anos, conta que experimentou o anti-respingo pela primeira vez em Salvador, durante uma micareta. Segundo ele, lá o produto é conhecido como `carbografite¿, uma referência ao nome de uma das marcas vendidas.

¿ É diferente do lança porque não pode encostar a boca, o gosto é muito ruim. O lança-perfume tinha acabado e as pessoas vendiam o carbografite nas ruas por R$ 80. Eles pintavam o rótulo de branco para despistar como spray para o cabelo ¿ conta o produtor.

Na comunidade virtual de relacionamentos Orkut, existem sete comunidades criadas para fãs da droga. No fórum de debates, muitos explicam como despistar o produto, colocando em vidros de perfume vazios, por exemplo. Outros compartilham as experiências pessoais dos efeitos colaterais, como vômitos e desmaios.

A utilização do microponto de grafite ¿ uma cápsula escura do tamanho de um caroço de uva ¿ está substituindo o ácido lisérgico e o ecstasy nas raves, segundo os usuários, por ser menos desidratante. Os estudantes de classe média alta D., de 27 anos, e A., de 22, usam o microponto nas festas de música eletrônica realizadas no Rio nos fins de semana. A cápsula é inserida no pulso através de um pequeno corte ou colocada sob a língua.

¿ O microponto não tem anfetamina e pode ser combinado com álcool. Com ele, não é preciso beber tanta água. Pode perguntar, nas raves, a primeira coisa que acaba é a água ¿ conta o estudante A.

Depois de experimentar diversas novidades em relação à drogas, como o remédio para cavalo `Special K¿ e o chá de trombeta, D. conta que prefere usar o microponto.

¿ De tudo o que experimentei, gostei mais do microponto. Além disso, é barato. Nas festas dá pra comprar por até R$ 30 ¿ comenta o estudante.

De acordo com o médico Luiz Roberto Tenório, a gravidade do uso destas substâncias deve-se ao fato de que elas têm efeito amplo, podendo atingir a todos os sistemas do corpo.

¿ A cocaína não tem um efeito tão amplo quanto este, apesar do perigo de morte instantânea. Nestas drogas, a intoxicação é mais crônica do que aguda, pois o efeito de dependência é rápido ¿ analisa Luiz Roberto.