Título: ''Lula não pode esperar mais''
Autor: Israel Tabak
Fonte: Jornal do Brasil, 20/06/2005, País, p. A5

Entrevista: Pedro Simon

O senador Pedro Simon foi peça importante em CPIs famosas, como a do impeachment de Fernando Collor e a dos anões do Orçamento. Tribuno respeitado e reserva moral do Congresso, seus atributos e o seu passado não foram suficientes, no entanto, para que tivesse o nome lembrado pelo PMDB como um dos representantes do partido na CPI dos Correios. Magoado, diz que não entendeu e ¿nem quer entender¿. Talvez a alcunha ¿chapa branca¿, com a qual a oposição se encarregou de rotular a comissão, explique o veto, ao mesmo tempo em que governistas fiéis eram escolhidos pelo partido. Aos 75 anos, com 39 de vida legislativa, Simon enxerga justamente nesse tipo de manobra orquestrada pelo Planalto a essência da crise enfrentada por um governante a quem admira muito: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva:

¿ Vitoriazinhas de Pirro como esta eleição para a CPI mostram que o governo está marcando passo.

O antigo advogado criminalista de Caxias do Sul se surpreendeu com a habilidade cênica de um deputado que também se destacou na especialidade, e concluiu ¿ após a lavagem de roupa suja entre altos dirigentes dos partidos aliados ¿ que as entranhas da máquina partidária do governo ficaram à mostra. Para se recuperarem ¿ avisa ¿ tanto o Planalto como o PT terão de mudar de atitude: é urgente reconhecer os erros e sinalizar o caminho para o futuro.

Simon torce para que o governo acerte e dá alguns conselhos: além da firmeza no combate à corrupção, o Planalto precisa organizar sua agenda e formar uma boa equipe executiva com técnicos de alto nível que se dediquem a tocar projetos de forma competente.

¿ Lula não pode esperar mais. Tem que tomar decisões como a de demitir logo o presidente do Banco Central e o ministro da Previdência, que estão sendo processados ¿ alerta.

O PMDB se esqueceu do senhor na hora de escolher representantes para a CPI? ¿ Até agora não consegui entender e prefiro continuar não entendendo o que aconteceu. Fiquei machucado. Conseguiram me atingir. Mesmo assim estou querendo ajudar. O governo não pode continuar cometendo os mesmos erros.

Qual a origem desses erros? ¿ A coisa começou a desandar com essas alianças. O Fernando Henrique fez alianças com partidos mais tradicionais e bem estruturados, como o PFL e o PMDB, este último no tempo em que ainda tinha uma boa biografia. Hoje a situação não é tão boa. Na realidade, o meu partido está há oito anos em declínio.

Essa é a única diferença? ¿ O Fernando Henrique fez acordos com partidos políticos. Ele não se metia em brigas internas. No atual governo, resolveram pinçar gente de cada partido e inchar algumas legendas, como o PTB o PL e o PP, praticamente dobrando suas representações, aliciando gente de outras agremiações. Quiseram preservar o PT como imaculado.

Como o senhor tomou conhecimento da história do mensalão? ¿ Par ser sincero, fui informado do mensalão quando vocês da imprensa também ficaram sabendo. No começo, não queria acreditar. Depois senti que, de fato, estavam acontecendo coisas estranhas. Algumas votações eram puxadas por aqueles que haviam trocado de partido.

E como o senhor avalia a atitude do governo em relação à CPI dos Correios? ¿ O governo já havia agindo da mesma forma no episódio da CPI dos Bingos. Quiseram, de todas as formas, boicotar a comissão. No caso dos bingos, disseram que a CPI só poderia ser instalada quando o PT e o PMDB concordassem em indicar representantes. A comissão acabou não saindo. Entramos no Supremo, pedindo a abertura da CPI e, no momento, estamos ganhando por cinco a zero.

E a atual estratégia? ¿ No caso atual, como a comissão era mista, o governo entrou com tudo, entrou para valer. O ministro da Fazenda abriu os cofres para tentar derrotar a comissão, mas não adiantou. Também liberaram as emendas para os parlamentares, igualmente sem resultados. E a própria vitória apertada para a direção da CPI mostra que a situação está complicada para o governo.

Como o senhor classifica a tarde da última terça-feira, quando o país parou para ver Roberto Jefferson? ¿ Naquela tarde, por meio das acusações mútuas dos seus vários representantes, pudemos ver as estranhas da máquina partidária do governo. Tudo ficou exposto. Não diria que foi um dia deprimente nem memorável. Nunca se viu um deputado tomar conta do noticiário em todo o país, como naquela tarde. Além disso, Roberto Jefferson mostrou uma grande vocação perdida para o teatro. Ele deveria trabalhar com o Paulo Autran.

E José Dirceu acabou saindo... ¿ Foi uma saída oportuna e um sinal positivo do governo. Finalmente o presidente Lula começou a agir. A partir de agora, ou ele faz a hora ou vai ver a hora passar.

Dirceu vai ser útil no Parlamento? ¿ Não tenho nada contra o Dirceu. Pelo contrário, gosto dele. É um político de gabarito, e não se pode misturar a sua figura com qualquer forma de corrupção. Mas temos de admitir que ele não foi bem nem como articulador político, nem como coordenador administrativo do governo. Creio que vai fazer um bom trabalho na Câmara. Vai ser melhor para ele se defender lá dentro. Certamente não vai ter mais essa história de o Jefferson ficar falando sete horas seguidas.

E o que presidente Lula deve fazer para não ¿perder a hora¿? ¿ O Lula é um baita cara. Um brilhante político, um líder de gabarito e hoje tem prestígio mundial. Mas não é um tocador de obras nem costuma ficar sentado, analisando detidamente as perspectivas e alternativas de governo. O governo deve ter uma boa equipe executiva. Um grupo de alto nível, que se dedique a tocar os projetos.

Alguma providência específica na área de combate à corrupção? ¿ Nesse ponto, o presidente Lula deveria imitar o Itamar Franco, que criou em seu governo uma comissão especialmente incumbida do combate à corrupção. Era uma comissão de investigação, diretamente ligada a ele, e da qual recebia levantamentos periódicos.

Mas o Planalto alega que a Controladoria Geral da União funciona muito bem... ¿ Talvez ela funcione com eficácia em grandes casos, mas não sei se atua tão bem em alguns casos específicos. O presidente Lula cometeu um erro gravíssimo não insistindo para que o procurador Claudio Fonteles ficasse na Procuradoria Geral da República. Se insistisse, ele ficava. O que Lula deveria fazer agora era levar o Fonteles, que é um procurador fantástico, para dentro do Palácio, como seu assessor especial, no campo do combate à corrupção.

Setores do governo consideram que parte da imprensa está superdimensionando a crise. ¿ Essa crise não foi criada pela imprensa nem pela oposição. É uma crise interna do governo. Presidentes da partidos da base do governo se acusaram. Não sei se o que eles falam é verdade mas já começam a surgir evidências, com pessoas dizendo que foram procuradas e que receberam ofertas em dinheiro. É plausível que aquilo que foi relatado por Jefferson tenha foros de veracidade.

Como o governo deve se comportar de agora em diante? ¿ O governo e o PT chegaram ao limite. Nas pesquisas, a maioria diz que há corrupção no governo. Ou o Planalto e o PT se firmam e tomam posições claras, reconhecem erros e acenam com mudanças, ou ficam marcando passo com vitoriazinhas de Pirro, como essa eleição para a direção da CPI.

Alguma sugestão específica? ¿ Lula não pode esperar mais. Tem de tomar decisões. Tem que demitir logo o presidente do Banco Central e o ministro da Previdência, que estão sendo processados. É inadmissível que fiquem nos cargos até o fim dos processos. Além disso, tem que tomar outras providências, antes do término da CPI, afastando mais pessoas importantes consideradas suspeitas.

E na área administrativa? ¿ É preciso pôr em marcha a agenda positiva, diminuir impostos, tocar obras. Estou falando como amigo. Não sou governo nem oposição. Não quero que o governo vá mal. Isso é muito ruim para o Brasil. Uma revisão constitucional ajudaria?

Na realidade, fizeram uma revisão constitcional, em 1993, que foi um fracasso. Vejo a idéia com simpatia, embora ainda não tenha feito uma análise profunda. O problema básico é que hoje não temos federação. A União impõe tudo. A centralização é absoluta. Estados e municípios viram cordeirinhos. Isso precisa ser revisto.

E como dar maior seriedade à vida política? ¿ O financiamento público das campanhas e a fidelidade partidária são medidas que têm que vir para valer. E campanha no rádio e na TV não é novela. Tem que ser ao vivo, sem empresa de publicidade, que esconde o candidato e só serve para tornar menos democrática a disputa eleitoral.