Título: Eleitores desafiam o ceticismo
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Fonte: Jornal do Brasil, 18/06/2005, Internacional, p. A8
TEERÃ - Duas surpresas marcaram o início das eleições presidenciais no Irã, ontem. A primeira foi o grande comparecimento às urnas, ao contrário da previsão que apontava uma indiferença do eleitorado. A segunda era, até o início da madrugada, a vantagem obtida pelo clérigo moderado Mehdi Karroubi, que sequer constava entre os favoritos. Com 12,2 milhões de votos apurados ¿ cerca de 40% do total, segundo um funcionário do governo ¿ Karroubi tinha 21,5% dos votos, contra 21,3% dados para Hashemi Rafsanjani, o favorito para vencer. O clérigo é ex-líder do Parlamento e se notabilizou por proibir críticas ao Guia Supremo Ali Khamenei, de quem é aliado. Na campanha, se apresentava como um ¿conservador convertido em reformista¿. Contrariando os prognósticos de alta abstenção, as filas se formaram desde cedo. O governo teve que adiar o fechamento das urnas três vezes, e o pleito só acabou às 23h. A projeção é de que 55% dos 47 milhões de eleitores tenham votado, o que deve levar o país a um histórico segundo turno. A contagem deve acabar hoje à noite. A decisão de prorrogar o horário foi do ministro do Interior, Abdolvahed Mussavi Lari, ¿devido à grande participação¿. As forças de segurança passaram o dia em estado de alerta, mas nenhum episódio de violência foi registrado. E o maior transtorno que a população enfrentou foi a alta temperatura em algumas cidades. O calor chegou a 45 graus, o que obrigou as autoridades a improvisar abrigos especiais para os idosos.
A presença do ¿azarão¿ Karroubi entre os líderes não estava prevista pelos analistas, que apostavam num segundo turno entre Hashemi Rafsanjani, que já foi presidente de 1989 a 1997, e o ex-ministro da Educação do atual governo, Mostafa Moin, considerado o mais progressista entre os sete candidatos. Nessa avaliação, Moin só correria o risco de perder para o ex-comandante da Guarda Revolucionária Mohammad Baqer Qalibaf, que poderia despontar como opção para o eleitor que aposta na defesa da lei e da ordem.
As urnas foram abertas às 9h, em mais de 41 mil postos de votação. Outros 254 funcionaram em outros países, entre eles, 36 nos EUA, onde vivem um milhão de iranianos. Nos EUA, também foi forte a campanha pelo boicote às eleições, como protesto contra o regime. Mas, como no Irã, foi ignorado por quem estava convencido de que o voto ainda é válido. Mesmo sabendo que, na realidade, o presidente tem seu poder limitado pelo parlamento e por Khamenei.
Amir Ravanbakhsh, 26, mora nos EUA há sete anos,e ontem votou em Los Angeles, ao contrário de seus pais, no Irã, que decidiram aderir ao boicote. Hadi Kamyab, 25, também votou, em Nova York:
¿ Temos que ter paciência. E acho que o voto é a única forma de mudar os rumos do meu país ¿ disse.
O argumento usado pelos dois jovens foi um dos principais pontos da campanha de Mostafa Moin, que ontem reagiu a críticas feitas pelo presidente americano, George Bush, que chamou de injusto o processo eleitoral no Irã, país ¿governado por homens que propagam o terror no mundo.¿
¿ Pode não ser uma eleição ideal para nós, mas os elementos básicos existem.
Outro assunto discutido nos dias que antecederam as eleições ¿ a preocupação da comunidade internacional com a possibilidade de o país estar desenvolvendo armas nucleares ¿ também veio à tona ontem.
O secretário do Supremo Conselho de Segurança Nacional, Hassan Rohani, garantiu que as pesquisas feitas no país têm fins pacíficos. E mandou recado:
¿ A posição do próximo presidente sobre a questão nuclear não pode ser diferente da atual. É um assunto nacional. Para que algo seja alterado, é preciso fechar acordos com líderes regionais ¿ disse, acrescentando que o impacto das decisões do novo presidente não será tão grande quanto esperam EUA e União Européia.