Título: Além do Fato: Um reajuste, uma farsa
Autor: Adriano Londres
Fonte: Jornal do Brasil, 18/06/2005, Economia & Negocios, p. A18

A costumeira dificuldade em se garantir um tratamento objetivo à saúde é certamente a principal causa dos problemas enfrentados pelo setor no Brasil. Todos sabem ¿ e repetem ¿ que saúde não tem preço. Indiscutível. Mas poucos lembram que medicina tem custo. O custo na saúde é alto, com índices crescentemente elevados, em função de uma série de fatores, que vão desde os avanços tecnológicos, incorporados de forma cada vez mais acelerada à medicina, ao aumento da longevidade das pessoas, uma conquista que, com efeito, é resultado direto dos próprios avanços técnicos e científicos.

É bem verdade que parte dos custos também se deve a equívocos no modelo assistencial em vigor, que prioriza a doença em detrimento da saúde, assim como às ineficiências próprias da gestão dos recursos existentes por todos os atores envolvidos.

Pois bem, para que a saúde continue a ser tratada como um ¿bem¿ intocável, é indispensável que se observe os seus custos atuais, buscando mecanismos para financiá-los, ao mesmo tempo em que são adotadas ações que se traduzam na otimização dos recursos existentes, a partir da eliminação dos desperdícios.

Qualquer ação ou postura que contrarie essa lógica, ignorando a relação de causa e efeito entre financiamento adequado e serviços médico-hospitalares de qualidade, em benefício do cidadão, merece ser vista, sem exagero, como inconseqüente e indevida ¿ ou as duas coisas juntas, o que é pior.

A discussão é oportuna uma vez que a Agência Nacional de Saúde (ANS) acaba de autorizar um reajuste de até 11,69% para os planos de saúde contratados a partir de 1999. O problema transcende o número em questão e deve ser analisado a partir da metodologia utilizada.

Mais uma vez, na definição do índice, ficou patente uma perigosa postura política, em detrimento de uma solução técnica, na medida em que a ANS insiste em manter uma metodologia que leva em consideração a média de um setor, desconsiderando as planilhas individuais de custos por operadora.

Além da defasagem de tempo entre o fato ocorrido e a repercussão dos reajustes, apresenta-se como grave equívoco a premissa de compensação para uso de média como limite superior de reajuste. O conceito de compensação faria sentido dentro do universo de uma única operadora, mas não no universo do mercado, onde não há um intercâmbio entre as empresas que permita a compensação de perdas e ganhos.

Ou seja, mais uma vez, é mantida a tão criticada metodologia de reajustes que, tudo indica, contribuirá para o agravamento do desequilíbrio econômico-financeiro do segmento de saúde suplementar.

No processo de definição do reajuste, percebeu-se claramente uma dicotomia de discursos. De um lado, a Agência Nacional de Saúde (ANS) deixava transparecer que seria preciso reconhecer os aspectos técnicos, verificando as perdas econômico-financeiras sofridas pelas empresas operadoras de planos. De outro, o ministro da Saúde, Humberto Costa, adiantava que o índice decidido pela agência deveria ser submetido à ¿anuência do presidente da República¿ ¿ o que, tudo indica, prevaleceu.

Em todo caso, se o índice deve ser estabelecido com critérios efetivamente técnicos, a fim de que, na ponta final, o consumidor possa dispor de serviços de qualidade, a anuência ou autorização do presidente da República não somente seria desnecessária como indevida. Assim como foi inoportuna a advertência feita pelo ministro, ferindo, inclusive, o princípio de autonomia da agência reguladora.

Autorizar reajustes a partir de metodologias politicamente simpáticas, mas tecnicamente condenáveis ¿ aliás, como tem ocorrido em anos anteriores ¿ é uma forma inaceitável de contornar a questão, ao invés de enfrentá-la. Para o cidadão menos esclarecido, no primeiro momento, pode até parecer que o governo, ao pressionar a ANS (que por sua natureza deve ou deveria ter uma atuação distanciada da política), procurou protegê-lo.

Mas, na verdade, ao usar critérios políticos para definir preços, o que o governo faz é forjar um engodo.

Só falta agora se levar à mesa de Lula o reajuste do preço do feijão!