Título: Cientistas políticos alertam: sociedade exige apuração séria
Autor: Israel Tabak
Fonte: Jornal do Brasil, 19/06/2005, País, p. A4

O governo ainda não acordou para a gravidade da crise que enfrenta. Insiste na antiquada estratégia de tentar esconder a sujeira embaixo do tapete, sem desconfiar que a sociedade vive um novo momento, mais consciente, e exige a apuração total e a punição dos eventuais envolvidos nos episódios dos Correios e do mensalão. Esta é a avaliação de Eurico Figueiredo, coordenador do programa de pós-graduação em ciência política da Universidade Federal Fluminense (UFF).

- A sociedade ferve de indignação com essas denúncias e o governo às vezes age como se não fosse com ele. É uma atitude esquizofrênica.

A questão da governabilidade é vista pelo cientista político sob um prisma diferente. Argumenta que se o governo mudar sua atitude, for de fato rigoroso e exibir vontade para punir os aliados eventualmente envolvidos em irregularidades, ganhará respaldo da opinião pública.

- Esta seria a chave da governabilidade. Agir com rigor e seriedade e assim conquistar apoio de fora para dentro, impondo aos partidos aliados o mesmo processo de depuração. Todos os partidos têm homens limpos e dignos, que merecem espaço.

O cientista político Marcus Figueirdo, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) concorda que é prejudicial ao governo tentar manobrar politicamente a CPI dos Correios. Ao mesmo tempo, é importante continuar fortalecendo a ação da Polícia Federal.

Eurico Figueiredo, da UFF, adverte que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de chefe de governo, tem que assumir cada vez mais a posição de chefe de estado. Não pode permitir, por exemplo, que o Executivo e o Legislativo sejam tema de ''chacota popular''.

- Isto sim seria um foco perigosíssimo de instabilidade política. Aparentemente, em razão dos bons índices que continua ostentando nas pesquisas, o presidente considera que as críticas ainda não o atingem. A avaliação está errada. Este escândalo ainda vai durar pelo menos três meses e deve provocar um grande desgaste para o Planalto.

Na opinião de Figueiredo, existem ''perguntas graves'' que estão sem resposta:

- Se o presidente foi de fato informado sobre o mensalão porque não mandou apurar e punir? Porque os ministros avisados não tomaram nenhuma atitude?

A volta de José Dirceu à atividade parlamentar pode ser uma faca de dois gumes, de acordo com o professor da UFF:

- Onde há fumaça, há fogo. Creio que não será fácil ao ex-ministro convencer a sociedade de que não tem nada a ver com os fatos denunciados. Com isso, o descrédito que hoje está sofrendo pode ser transmitido para o PT. Até o seu próprio processo de defesa deverá provocar um desgaste. Por isso, foi errada a estratégia de transformá-lo em combatente do governo no Congresso. Ele deveria ficar de quarentena, talvez em algum posto no exterior.

Para Marcus Figueiredo, do Iuperj, fora da Casa Civil, pelo menos Dirceu ''não atrapalhará tanto''. O cientista político considera que ex-ministro foi tragado pela falta de normas e critérios definidos que envolvem o financiamento da política partidária.

Explica que a crise gerada por quatro episódios - o caso Waldomiro, a corrupção no Ibama e os escândalos dos Correios e do mensalão têm a mesma origem: o financiamento da política partidária e das eleições.

- A questão é saber como a sociedade vai financiar uma atividade inerente à democracia, que tem de existir. A falta de normas claras e de fiscalização na entrada e saída do dinheiro está na raiz de todos esses escândalos.

Em outros países - lembra - onde há o mesmo esquema misto de financiamento público e privado da atividade política, existe um controle eficaz.

- Nos Estados Unidos se fazem planos de arrecadação e de gastos, com o conhecimento das autoridades. Aqui é tudo informado a posteriori.

Marcus Figueiredo opina que é preciso uma legislação rigorosa para o financiamento da atividade partidária e das campanhas, além de um controle eficiente dos recursos empregados.

- Auditores da União podem trabalhar a serviço do Tribunal Superior Eleitoral, indicando, por exemplo, se há sinais de uso excessivo de dinheiro nas campanhas. É o mesmo mecanismo rotineiramente usado para avaliar sinais exteriores de riqueza.

O Planalto não pode esquecer outros deveres de casa:

- Os ministérios políticos estão desgastados e os da área social são acusados de gestão ineficaz. O nível da administração precisa melhorar porque baixou muito com o loteamento de cargos.