Título: Peritos rastreiam lavagem e sonegação
Autor: Hugo Marques
Fonte: Jornal do Brasil, 19/06/2005, País, p. A7

Desembarcam nesta semana no Brasil 18 caixas com 72 mil cadastros, dossiês e extratos bancários de correntistas brasileiros, recolhidos em bancos dos Estados Unidos. A quebra de sigilo foi determinação do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos, o DHS. A documentação - trazida por três delegados, dois peritos e um escrivão da Polícia Federal, além de dois procuradores - vai ajudar a desvendar um dos maiores esquemas de sonegação e lavagem de dinheiro da história do país, que pode chegar a US$ 78 bilhões em créditos e débitos. A Polícia Federal, a Receita Federal e o Ministério Público já tinham identificado 8 mil correntistas brasileiros que enviaram dinheiro ao exterior através de doleiros. Em 3.480 representações fiscais, a Receita já aplicou multas de US$ 818 milhões, grande parte do esquema do extinto Banco do Estado do Paraná (Banestado). Nesta nova remessa de documentos - de onde constam extratos de 220 contas bancárias - a PF e o MP esperam identificar outras 8 mil pessoas que sonegaram e ou lavaram dinheiro no exterior.

As contas de doleiros brasileiros encontradas nos Estados Unidos - algumas delas utilizadas para centenas de operações - têm nomes sugestivos como ''Cavalo de Pau'', ''Ervilha'', ''Timbalada'', ''Xarope'', ''Canjica'', ''Azteca'' e ''Milano''. Os procuradores e delegados apostam que a documentação vai derrubar os argumentos de quem não declarou as transferências.

Os investigadores já encontraram as pegadas de muita gente importante no exterior. O Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas, por exemplo, realizou 268 operações financeiras, no valor de US$ 18 milhões, entre 1997 e 2002, pelas contas Beacon Hill, Azteca, Conde investments e até a Courchevel investments, do doleiro Sílvio Roberto Anspach. A assessoria do Opportunity em São Paulo ficou de se pronunciar sobre as transferências, mas não deu resposta até o fim da tarde de sexta-feira.

A documentação recolhida poderá desvendar ainda os US$ 27 milhões movimentados pela Xuxa International Corporation, entre 1998 e 2002. A empresa cuida dos negócios da apresentadora Xuxa Meneghel no exterior. O dinheiro, segundo as investigações feitas até agora, passou pelas contas de doleiros, entre elas Azteca, Atrium, Sinkel Financial e Beacon Hill.

- Tudo que a Xuxa International arrecadou no exterior não dá US$ 27 milhões. Não trabalhamos com doleiros brasileiros. Se alguma empresa que fizemos pagamentos usou a Beacon Hill, paciência - diz o diretor da Xuxa International Corporation, Luiz Cláudio Moreira.

A PF investiga também a empresa Business Trading. Constam operações de US$ 60 milhões em nome da empresa, através de contas de doleiros no exterior. O endereço da Business Trading é o quilômetro 5 da BR-316, em Ananindeua (PA). É o mesmo endereço de uma das sedes do grupo empresarial Marcos Marcelino, do Pará, que vende máquinas pesadas e atua no mercado de carros. Só em 1999, a Business Trading teria movimentado US$ 12 milhões, parte pela Beacon Hill.

- A Business Trading exportava para nós e parou. O grupo Marcos Marcelino não tem mais ligação com a Business Trading - afirma o chefe do Departamento Jurídico do grupo paraense, Cláudio Ferreira.

A PF e o Ministério Público estimam que a nova remessa de documentos represente uma movimentação de US$ 10 bilhões. Isto elevaria para US$ 88 bilhões o valor total das movimentações em contas de doleiros, laranjas e empresários brasileiros que utilizaram os canais do Banestado, MTB Bank, Delta, Merchands Bank e outros, entre 1996 e 2003. Estas movimentações são a soma de débitos e créditos, mas até hoje não se sabe se é o mesmo dinheiro tomando o caminho de volta para o Brasil. A documentação que chega esta semana traz o registro destas transferências até o início deste ano.

A Receita ajudará a analisar todas as caixas que chegam do exterior. Os investigadores dizem que é necessário identificar eventuais homônimos e a procedência da operação bancária. No passado, um piloto de Fórmula 1 enviou dinheiro pelo Paraguai, em operação suspeita, mas se descobriu que ele havia declarado tudo à Receita.

As transferências via contas de doleiros brasileiros incluem operações de US$ 86 milhões em nome do doleiro paraguaio Hugo Guevedo Rojas. Há transferências de US$ 1,8 milhões em nome de Carlos Chebabe, acusado de envolvimento com a máfia dos combustíveis. Constam ainda operações de US$ 2,87 milhões em nome do chinês Jae Hyun. O Banco Pactual fez transferências de US$ 130 milhões e também utilizou contas dos doleiros.

As acusações do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) serão investigadas durante a análise da papelada. O deputado insinuou que o PT lavava dinheiro com os doleiros presos pela Operação Beacon Hill, no ano passado. Até agora, não há sinais de envolvimento de petistas com o esquema de lavagem e sonegação internacional.

- Estamos atrás da recuperação do dinheiro - avisa um dos investigadores.