Título: Ceticismo chega à Escandinávia
Autor: William Echikson
Fonte: Jornal do Brasil, 19/06/2005, Internacional, p. A8

O bem-sucedido Norte da Europa sempre foi cauteloso sobre a unidade européia. Mas agora, os escandinavos se tornaram céticos. O ceticismo vai além da frustração pela falida campanha pela Constituição da União Européia. Eles se sentem marginalizados em um expandido bloco de 25 países e discordam da forma como a UE gasta sua verba. Ao mesmo tempo, a submersão das economias dos países da zona do euro fez com que Suécia, Finlândia e Dinamarca revisassem, para baixo, as próprias projeções de crescimento.

- Não temos tempo para as visões grandiosas da Europa. Precisamos de uma aproximação mais pragmática - confirmou o chanceler da Finlândia, Erkki Tuomioja, durante a cúpula de líderes europeus, na semana passada, em Bruxelas.

Os nórdicos tradicionalmente têm estado à margem da UE. Não estiveram presentes na instauração do bloco, ao qual a Dinamarca aderiu em 1973, enquanto Suécia e Finlândia só entraram em 1995. Os noruegueses já rejeitaram por duas vezes a participação e continuam de fora da UE. Apenas a Finlândia usa o euro. Dinamarca e Suécia recusaram a moeda.

Além disso, os três escandinavos do bloco têm sólidos programas de bem-estar social e se sentem desconfortáveis com o dirigismo da França e com o lassez faire da Grã-Bretanha.

A demonizada Constituição também está no centro do debate. A oposição ao documento, sempre forte, cresceu nas últimas semanas, após as rejeições em referendo na França e Holanda. Tanto a Dinamarca quanto a Suécia anunciaram que vão adiar o plano de referendar a Carta. Para o premier sueco, Goran Persson, é impossível influenciar eleitores enquanto franceses e holandeses se negarem a votar de novo.

- Não podemos colocar o Tratado em voto já que não há um tratado para se votar - justificou o chanceler da Dinamarca, Anders Rasmussen.

Ainda assim, os líderes do resto da UE recusaram, na cúpula, o pedido escandinavo de suspensão da ratificação. Em vez disso, confirmaram que os países que quiserem proceder com a votação terão permissão. Esta decisão será revisada na próxima cimeira, em junho de 2006. O que só adia as tensões.

- Quando vemos líderes debatendo nosso futuro a portas fechadas nos sentimos muito desconfortáveis. O processo deveria ser enterrado - disse Jens-Peter Bonde, ativista do euroceticismo e membro dinamarquês do Parlamento Europeu.

Outra preocupação é a forma como a UE gasta seu dinheiro. Os demais governos querem cortes no orçamento para 2007-2013 e menores contribuições individuais. Mas para os escandinavos, mais verba deveria ser vertida para pesquisa e menos para agricultura e assistência a regiões pobres.

- Queremos um orçamento mais orientado para o futuro, para desenvolvimento, inovações e educação. Temos que fazer o máximo para fazer da UE uma economia competitiva no mundo - explicou Rasmussen.

O cisma ficou bem explícito na sexta-feira, quando após 14 horas de negociações, os Estados deixaram a cúpula sem um acordo sobre o orçamento, que será discutido, a partir de agora, bilateralmente.

- Queríamos dotar a Europa de novas perspectivas financeiras. Falhamos. A Europa se encontra em uma crise profunda - admitiu o presidente em exercício do bloco, o luxemburguês Jean Claude Juncker.

Também a política externa pode ter conseqüências perigosas. As nações nórdicas temem que a ampliação da UE traga uma onda de mão-de-obra barata. Os sindicatos suecos já estão bloqueando a utilização de poloneses e pessoas de descendência báltica em trabalhos da construção civil.

O atual comissário para a expansão, o finlandês Olli Rehn, reconheceu que a crise constitucional gerou ''mau-humor''. Em termos práticos, significa que Bulgária e Romênia, já aceitos, vão entrar na UE. Potenciais candidatos como a Croácia, Sérvia e, acima de todos, Ucrânia e Turquia, terão que esperar.