Título: Contra a paralisia
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 19/06/2005, Opinião, p. A10

Barracas atingidas pelos torpedos do deputado Roberto Jefferson, tumores de corrupção enfim radiografados, fraturas expostas de comerciantes de votos que se valem de siglas sem programas, ainda assim, tudo somado, o Brasil poderá tornar-se beneficiário da mais séria crise revelada no governo Lula. Para que dos últimos episódios possam emergir ações relevantes, o Palácio do Planalto deve aproveitar as oportunidades postas à mão do presidente: extirpar da administração os maus exemplos - alvejados por denúncias ou por incompetência - e reafirmar a importância estratégica das ilhas de excelência evidenciadas em dois anos e meio de mandato. De imediato, caberá a Lula a tarefa de montar uma equipe notavelmente produtiva, capaz de operar a máquina e garantir dividendos mais substantivos ao país. Assim têm feito os principais nomes do ministério: Antonio Palocci (Fazenda), Paulo Bernardo (Planejamento), Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior), Roberto Rodrigues (Agricultura) e Márcio Thomaz Bastos (Justiça) são exemplos da boa governança demonstrada até aqui, conceito que precisa urgentemente espalhar-se por todas as áreas da administração federal. A área econômica, em especial, foi a principal responsável pela mais importante prova de maturidade de um partido de esquerda brasileiro. Uma vez no poder, afinal, os petistas viram-se obrigados a abandonar crenças econômicas bonitas no papel, mas inviáveis na prática. Sublinhado pela exigência da responsabilidade e do pragmatismo, o presidente Lula descobriu a existência de outros rumos daqueles desejados nos tempos de oposição. Sem provocar transtornos ou resvalar por sandices.

Por tais razões, o melhor caminho é seguir a trilha das rotas mais bem-sucedidas. Afinal, apesar dos tropeços políticos, o governo mostrou-se especialmente competente para administrar a economia. Convém, portanto, separar o joio do trigo diante dos momentos de tensão mais aguda. A crise é política, mas não suficiente para desestabilizar os passos necessários para o Brasil seguir em frente. A infiltração de ''mensalões'' no código de práticas semiclandestinas nos porões do poder, insista-se, deve ser repudiada e punida com vigor. A Comissão de Ética da Câmara e a CPI dos Correios precisarão ir a fundo no desbaratamento de esquemas ignominiosos. O Planalto reconhece o peso delas. A sucessão presidencial também já deu os primeiros passos. Tais dilemas, contudo, não podem turvar o andamento normal de uma enorme e imprescindível agenda no Congresso.

Além de ver corruptos na cadeia, o brasileiro deseja ver completadas as reformas da Previdência (bomba-relógio prestes a ser detonada) e do Judiciário. Incluem-se também mudanças na estrutura tributária - cuja reforma aprovada em 2004 não vem sendo cumprida - e a execução das reformas trabalhista e sindical, a fim de eliminar o atraso da legislação e reduzir o custo do emprego. É hora, por exemplo, de corrigir as fragilidades do sistema político-partidário. Requer-se ainda podar excessos e frear o crescimento dos gastos públicos correntes, promover o rejuvenescimento das instituições políticas, a desburocratização do Estado e a profissionalização do funcionalismo. Sem cumprir tal agenda, o país seguirá à mercê das intempéries econômicas e das turbulências políticas. Paralisia é remédio tão danoso quanto a corrupção. Lição que governo e Congresso precisam aprender.