Título: Democracia põe aliados na mira
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Fonte: Jornal do Brasil, 21/06/2005, Internacional, p. A8

CAIRO - Fiéis aliados dos Estados Unidos no mundo islâmico, o Egito e a Arábia Saudita estiveram ontem na mira da secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, que, em visita ao Cairo, fez um apelo para que o Oriente Médio adote ''direitos básicos a todos os cidadãos''.

- O medo de eleições livres não pode mais justificar a negação da liberdade - disse Rice à uma audiência de autoridades de governo, acadêmicos e diplomatas, na American University. - É hora de abandonar as desculpas usadas para evitar o duro trabalho da democracia.

Numa crítica incomum, Rice citou exemplo de práticas condenáveis nos dois aliados.

Na Arábia Saudita, ela mencionou o caso de três pessoas que estão atualmente atrás das grades por terem liderado um abaixo-assinado, no qual se pede à monarquia a adoção de um sistema constitucional. Eles foram acusados de tentar encorajar a dissidência.

- Isto não deveria ser crime em nenhum país.

Quanto ao Egito, Rice elogiou a convocação de eleições pluripartidárias no país, marcadas para setembro, mas se disse preocupada com o futuro das reformas devido à violência que enfrentaram ''pacíficos simpatizantes da democracia''.

- O presidente Hosni Mubarak destrancou a porta das mudanças. Agora, o governo deve pôr sua fé em seu próprio povo. Deve cumprir a promessa que fez à nação e a todo o mundo, dando a seus cidadãos liberdade de escolha - afirmou a secretária, pedindo a Mubarak que acabe com a ''justiça arbitrária'' e suspenda o decreto que permite à polícia desmantelar qualquer encontro que reúna mais de cinco pessoas.

A secretária defendeu ainda que os governos da região - citando também o Irã e a Síria, países que foram alvo de duras críticas - protejam o direito de liberdade de expressão, de associação e de educação, para meninos e meninas.

- Uma democracia pela metade não é democracia - disse, frisando a necessidade de igualdade de direitos entre homens e mulheres.

O governo Bush tornou a campanha pela democracia uma marca de seu segundo mandato, mas esta foi a primeira vez que uma autoridade de alto escalão divulgou tal mensagem no coração do Oriente Médio. Rice mesclou uma dura retórica com garantias de que Washington não está planejando impor a democracia aos países islâmicos. Segundo a secretária, os EUA não têm ''motivos para desfrutar de um falso orgulho'', ao passo que possuem todas as razões para serem ''humildes'', devido a seu passado de escravidão e racismo.

- Por 60 anos meu país perseguiu a estabilidade às custas de democracia nesta região, e não conseguimos nenhuma coisa nem outra - disse. - Agora, estamos tomando um rumo diferente. Apoiamos as aspirações democráticas de todos.

De fato, após o discurso, a secretária se reuniu por quase uma hora com Ayman Nour, o candidato da oposição cuja campanha foi diversas vezes atacada pelo governo, assim como com outros sete representantes de partidos autorizados a participar do pleito no Egito e grupos da sociedade civil. No entanto, não havia qualquer representante da Kefaya, coalizão de organizações de direitos humanos que ano passado liderou uma iniciativa para derrubar Mubarak. Ainda assim, houve desconforto no governo devido ao encontro.

Num exemplo da importância dada por Washington ao tema, em fevereiro a secretária cancelou uma viagem ao Egito depois que o governo do Cairo se negou a libertar imediatamente Nour da prisão, em um episódio que autoridades americanas consideraram baseado em acusações falsas.

Mas nem toda a oposição no mundo islâmico recebeu a simpatia da secretária. Rice voltou a condenar ontem grupos como o palestino Hamas, considerado terrorista por Washington, mas que está participando do processo eleitoral e obtendo forte apoio popular.

- O sistema democrático não pode funcionar se alguns grupos tem um pé no mundo da política e outro no campo do terror - ressaltou.

Pela manhã, Rice reuniu-se com o presidente Mubarak, que disse estar comprometido com eleições ''livres, justas e transparentes''. À noite, ela foi para Riad, onde se reunirá com autoridades sauditas.