Título: Teimoso até os últimos dias
Autor: Ruy Sampaio
Fonte: Jornal do Brasil, 21/06/2005, País, p. A5

Há um ano o coração de Leonel Brizola parava de bater. Naquele 21 de junho, bastante debilitado e com os pés inchados, mesmo a contragosto foi levado ao hospital para exames. A tomografia e o ecocardiogama denunciaram a necessidade de internação imediata. Difícil foi convencer o velho caudilho. A revolta e o nervosismo estampavam sua face. Depois de muita conversa, prevaleceu seu poder de persuasão. Prometeu que voltaria no dia seguinte. Talvez tenha feito essa concessão porque já sabia que não sobreviveria àquela noite. Aguardava na porta do elevador que o levaria à liberdade das ruas quando sofreu a parada cardíaca. Foi socorrido e ressuscitado. Quando os médicos iniciavam um cateterismo, apagou de vez. Quando enfartou estava a dez metros da emergência. ''Socorro mais rápido, impossível. A contrariedade em ser internado pode ter sido a causa da morte dele''. A declaração é da pessoa que mais esteve a se lado nos últimos 18 anos, o secretário particular Eduardo Bastiani. De quinta-feira, dia 17, quando o recebeu no aeroporto vindo do Uruguai, até o desenlace, na segunda-feira, o fiel escudeiro saiu do lado do patrão por apenas três horas na tarde de sábado. Em momento algum achou que o fim estava tão próximo:

- Ele se movimentava normalmente, e fez todas as refeições na copa, como de hábito.

No velório, no Palácio Guanabara, o presidente Lula foi hostilizado por pedetistas históricos que falavam em ''traição''. Um ano depois o presidente parece não ter guardado mágoas. Assina hoje decreto determinando a refinaria TermoRio, em Duque de Caxias, receba o nome de Brizola, um dos mais ferrenhos críticos do governo.

O vereador Brizola Neto conta que ouviu do avô que ele pretendia se eleger prefeito, com o apoio de Anthony Garotinho, para usar o mandato como trincheira contra Lula.

Figura contraditória na política, até dentro de casa Brizola divide opiniões. Enquanto o neto e Carlos Lupi, amigo de 25 anos, reconhecem que ele era extremamente formal na relação com os familiares - o máximo que se permitia era beijar as netas e a bisneta; aos homens, reservava a distância de um gaúcho conservador -, Celma Gabriel e Manoela Neves, empregadas do apartamento de Copacabana, enaltecem o carinho do patrão, que estendia a mão para cumprimentá-las e não se furtava a distribuir beijos de boas-vindas e despedida.

A generosidade também podia ser vista na volta das viagens. Sempre trazia uma surpresa em forma de presente para as duas colaboradoras. Manoela se orgulha da casa que o patrão construiu para ela, no fim da década de 80, em Itaipava, e das visitas que lhe fazia, como no dia em que foi ao batizado da sua neta e levou uma Kombi lotada de pagodeiros para tocar na festa. Manu, como era tratada, do alto de seus 21 anos servindo ao patrão, testemunhou diversos intimidades, como o sofrimento porque passou o ex-governador com a morte da mulher, Neusa. Quando estava só, Brizola costumava chamar Manoela e Celma para juntos ouvirem a canção Coração de luto, na voz de Teixeirinha, música preferida do casal. Manoela não esquece o bom humor do patrão. Certa vez, ao pedir um dinheiro extra, obteve a resposta em forma de brincadeira, com destaque para a tradicional entonação de voz:

- Disse: Doutor, queria um dinheiro! E ele: 'Manu, eu é que ia te pedir dinheiro!'. Perdi meu segundo pai. Ele dizia: 'Lembra de mim com saudade, mas nada de chorar'. Dois meses antes de morrer, ele disse que mandaria o carro lá em casa buscar as crianças para irem à praia e almoçar com ele. Não deu tempo.

Brizola sempre foi bom de garfo, e nunca se preocupou com a saúde. O neto reconhece que ele nunca fez os exames de coração rotineiros para pessoas com mais de 50 anos. Recorda que um dia foi convidado para tomar café da manhã e encontrou o avô, na cozinha, preparando lingüiça frita. Os pratos preferidos eram peixada, mocotó, bobó de camarão e o tradicional arroz, bife e salada. A única coisa que não podia passar nem perto da despensa do apartamento de Copacabana era alho, porque odiava o cheiro.