Título: A sociedade a nu
Autor: Jarbas Passarinho
Fonte: Jornal do Brasil, 21/06/2005, Outras Opiniões, p. A13

Max Weber, em palestra, lecionava em 1919: ''Há duas maneiras de fazer política, ou se vive para a política, ou da política''. O que vive para a política, dela faz, no sentido mais profundo do termo, o fim de sua vida. Luta por uma causa. O que vive da política busca conquistar o poder e deste tirar todas as vantagens possíveis.

Em todo o mundo o conceito do político é desprimoroso. No Brasil o descrédito habitual do político, enxerga nos honestos uma exceção. Não faz muitos meses, uma pesquisa trouxe um dado alarmante: a preferência, de 47% dos entrevistados, por um regime autoritário. Os fatos recentes, que abarrotam a mídia com acusações de suspeitas gravíssimas e escabrosas atribuídas aos políticos, põem a sociedade a nu. José Dirceu, que conheci quando dirigi a CPI do Orçamento, embora não fosse ele membro da Comissão, era notória a influência que, ao fundo do plenário da sala, exercia sobre seus companheiros do PT. Os indicados pelo partido empenhavam-se ardorosamente no desnudamento dos parlamentares suspeitos de corrupção e dos governadores que tinham tido contato com o relator do Orçamento, à busca de recursos para seus estados. Eram, dentre todos os membros da CPI, os inquisidores mais severos, operando como os defensores mais calorosos da ética na política.

Chegou o PT ao poder. Melhor seria dizer que chegou Lula ao poder e não o PT que elegeu pouquíssimos e nada importantes estados da Federação, em termos de contingente eleitoral e do PIB de cada um. O crescimento da bancada se deu a reboque do candidato à Presidência da República, que se recebesse só os votos petistas quase certamente perderia a eleição. Dos desafios da democracia, externos, contextuais e intrínsecos, estes eram os mais importantes na gestão de Fernando Henrique Cardoso, notadamente no segundo mandato, envolvendo rumores desabonadores em casos de privatização e de comprometimento moral de alguns parlamentares suspeitos de votar pela reforma da Constituição criando a possibilidade da reelegibilidade do presidente. Segmentos importantes do PT vociferavam, nas praças públicas ''Fora FHC''. A classe média, em 1982, deixou-se empolgar pela pregação ética do PT e por um candidato que desfraldava a bandeira da ética na esperança de que chegaria à Presidência quem encarnava a definição de Weber, ''viver para a política e não da política.'' Ainda em meio aos ecos da vitória, apareceu a primeira decepção. O ''querido Zé'' via seu assessor imediato, e íntimo coabitante do seu apartamento, Waldomiro Diniz, ser flagrado em negociação fraudulenta em tráfico de influência na área pública. Dirceu jogou todo o seu inegável prestígio no governo e impediu a CPI constituída nos termos das normas da Constituição e abafada em arranjo patrocinado pelo governo. Logo,o ministro predileto do presidente, exercia um poder de fazer inveja a Richelieu, até que rumores se transformavam progressivamente em indícios veementes de manobras com a ''moeda'' que os jesuítas nos tempo das reduções guaraníticas diziam ser ''a mãe de todas as misérias''.

Forte articulador, teria Dirceu cumprido a missão de prover recursos ilegítimos para repartir com os que vivem da política e não para a política. Hábil, teria o poderoso ministro concebido uma tática para preservar o PT: o ''vil metal'' seria usufruído pelos partidos aliados. A estes caberia o papel sujo. Durou até que a um parceiro não se desse o combinado. Seriam 20 milhões de reais, recebidos somente 4 milhões, para despesas nas eleições do PTB em 2004. Mas os milhões não chegaram aos candidatos do PTB. O PT nega ter dado os 4 milhões e o inefável tesoureiro Delúbio disse que apenas ajudou a contá-los. Mistério. Logo se terá revelado que a chave do cofre (e que cofre!) tinha-a o tesoureiro do PT. O acusador inclemente tornou impossível a permanência do ''querido Zé'' no governo e, no momento em que escrevo, dele leio: ''José Dirceu é o chefe do maior esquema de corrupção que vimos nos últimos anos''. Gravíssima a acusação. Segundo pesquisa da Datafolha, 65% dos petistas ouvidos acreditam que há corrupção no governo. Pior: 31% respondem que o presidente Lula tem responsabilidade nos casos de corrupção. Menos certos, 46% acham que ele ''tem um pouco dessa responsabilidade''. Ao revés, só 21% o isentam. A bandeira do PT guardião da ética está rasgada. Acusado nominalmente por Jefferson, o líder do partido do Maluf, deputado Janine, complica-se. Um importante membro do Diretório Nacional do partido confirma a acusação, ao mesmo tempo em que o honrado deputado acumula dezenas de processos no Supremo Tribunal Federal inclusive, sempre pelas mesmas imaculadas operações: lavagem de dinheiro, desvio do dito cujo e improbidade. Isso evidencia a natureza daqueles com quem o PT se aliava.

O ''querido Zé'' - como o trata na carta de aceitação de demissão o presidente Lula - diz ter as mãos limpas e pretende mostrá-las na Câmara dos Deputados. Melhor ainda que empulhar a Nação, ao dizer que tudo é falso e não passa de uma conspiração para derrubar o governo ''que não rouba e nem deixa roubar''.

O ''querido Zé'' sai do governo consolado: ''Se dependesse do presidente você continuaria na Casa Civil''.

Será por isso que 65% dos petistas se frustraram?