Título: Novas drogas driblam a polícia
Autor: Mariana Filgueiras
Fonte: Jornal do Brasil, 21/06/2005, Rio, p. A15

O consumo de novas drogas em micaretas e raves cariocas desafia a repressão policial. Como informou o JB ontem, jovens estão tomando chá de fita cassete, inalando anti-respingo de solda - usado originalmente para evitar a aderência de respingo de solda em peças e acessórios - e inserindo micropontos de grafites no pulso, através de cortes em busca de novas formas de efeitos narcóticos. De acordo com o delegado-titular da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), Rodrigo de Oliveira, os produtos apreendidos muitas vezes não são conhecidos pelo policiais, ou não são considerados entorpecentes, dificultando a autuação em flagrante. - Eu posso arriscar e dizer que a cocaína é uma droga decadente, frente a tantas novidades. Nós já apreendemos ácido lisérgico líquido, vendido a cinqüenta reais a gota, mas às vezes ele passa por remédio. Outro problema: eu não posso apreender fitas cassetes, mesmo sabendo que são usadas como drogas. A legislação não acompanha a evolução das drogas - alerta o delegado.

O delegado diz ainda que no Rio já foram apreendidos dilatadores de narina para aumentar a oxigenação de inalantes, calmante de cavalos e que a DRE está concentrando esforços para evitar que chegue por aqui a ''droga do medo'' - substância apreendida há um mês em São Paulo, que pode ter um efeito contínuo de até 80 horas.

- Algumas não são propriamente novidades, apenas uma sofisticação do uso - diz.

Um exemplo de sofisticação do uso de drogas conhecidas é a craconha, uma mistura de cocaína com maconha. O usuário C., 21, diz que o Morro Dona Marta é conhecido por ser um dos lugares onde se encontra a mistura.

- Eu já experimentei, mas é muito forte. Hoje uso só maconha mesmo - comenta.

De acordo com a coordenadora do Núcleo de Estudos em Atenção ao Uso de Drogas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (NEPAD-UERJ), Maria Teresa Aquino, o que preocupa é o fato de tais novidades serem preparadas por jovens cada vez mais novos.

- Em toda a história da humanidade, os adultos eram os que usavam drogas. Hoje eu tenho pacientes de oito anos que usam cocaína. Deixei de ser psiquiatra para ser pediatra. Inventar novas drogas é uma atitude essencialmente infantil, de brincadeira. É preciso conversar com os filhos, saber ouvi-los - lamenta a coordenadora.

A psiquiatra conta que já atendeu crianças que tomaram chás de diversos tipos, com raspas de produtos químicos, por exemplo. E, segundo ela, a classe social não tem relação com a busca por novidades.

- Tenho uma paciente que é alcoólatra e tem apenas 16 anos, começou a beber quando foi morar na Suíça, aos 13. No desespero, já bebeu até perfume. Os pais não a ouvem. É preciso conversar abertamente com os filhos - diz Maria Teresa Aquino.

Dividir experiências pode ser um começo. Usuário de cocaína há 10 anos, o jornalista V., 29 anos, há um mês começou a contar suas experiências com as drogas através de um blog. A maior parte dos textos é em forma de conto. Como o número de visitações diárias chegou a mil acessos, V. C. decidiu escrever um livro.

- Nunca tive ambição literária, mas muitas pessoas incentivaram. Já perdi muita coisa por causa da droga, emprego, amigos. Só não perdi a vontade de escrever - ressalta V.

O jornalista afirma que nunca teve uma overdose, mas que já viu todo o tipo de droga sendo usado por jovens. A primeira vez que viu o anti-respingo de solda, por exemplo, foi numa micareta na Barra da Tijuca.

- Isso é coisa de moleques, que querem dizer ''fui eu que fiz'' - conta.