Título: Mercosul ampliado
Autor: Marcelo James Vasconcelos Coutinho
Fonte: Jornal do Brasil, 22/06/2005, Outras Opoiniões, p. A13

A XXVIII Reunião de Cúpula do Mercosul ocorrida no dia 20 de junho aparentemente não trouxe novidades e não despertou o mesmo interesse observado em reuniões anteriores. Particularmente no Brasil, as discussões sobre a cúpula ficaram de fato bastante esvaziadas por conta da grave crise política vivida pelo governo Lula e o Congresso Nacional. Também na Argentina, apesar da maior cobertura dos jornais, a já habitual impaciência do presidente Néstor Kirchner com viagens internacionais fez com que ele passasse apenas poucas horas em Assunção, onde ocorreu o encontro e, com isso, colocou novamente em dúvida seu real comprometimento com as questões regionais. Lula voltou às pressas para o Brasil, logo após a declaração da cúpula, e Kirchner, por sua vez, mal esperou seu início para regressar a Buenos Aires.

Estes poderiam ser sinais de um Mercosul abatido não obstante o ânimo integracionista ainda percebido nos países menores, Paraguai e Uruguai, e mesmo nos membros associados ao bloco, cujos presidentes compareceram em sua maioria: Ricardo Lagos do Chile; Álvaro Uribe da Colômbia; Hugo Chávez da Venezuela; e o novato Alfredo Palácios do Equador. Presentes também estavam representantes da Bolívia, Peru e México, este último demonstrando grande interesse pelo Mercosul embora não seja um associado. Mas a verdade é que a integração regional faz parte das prioridades de todos esses países, uma integração agora e cada vez mais do tamanho da América do Sul.

Em seu discurso principal, o presidente paraguaio Nicanor Duarte reclamou da lentidão no bloco, que ainda não cumpriu com todas as intenções presentes no Tratado de Assunção de 1991. Ricardo Lagos também advertiu sobre uma integração muito lenta, aquém das necessidades econômicas da região, o que requereria mais esforço político. O próprio presidente Lula reconheceu muitos problemas, entre eles a falta de ganhos mais substantivos, principalmente para os países menores. Porém, foi o novo presidente da união aduaneira para os próximos seis meses, Tabaré Vasquez, que sentenciou: ''Recebo um Mercosul em crise''.

A crise da qual fala Tabaré é o sintoma mais concreto de que os países da região, pequenos ou grandes, uma vez entregues a seus esforços de resolverem individualmente entraves domésticos - crises, por assim dizer, particulares, pero no mucho -, apresentam grande dificuldade em dispor de força extra para promover a integração entre si, superando problemas de ação coletiva. Estes problemas de coordenação regional existem e as tensões, sobretudo entre Brasil e Argentina no campo comercial, parecem crescer a ponto de colocar em cheque o futuro do bloco.

No entanto, essa crise, bem como a impressão de que o encontro foi apenas um capítulo obscuro no processo de integração regional, não fazem jus a pelo menos dois avanços importantes. O primeiro ganho foi o lançamento do anel energético, que estabelecerá uma rede garantidora de gás natural e energia elétrica para os países da América do Sul. O segundo foi a criação do Fundo para a Convergência Estrutural e Fortalecimento das Instituições do Mercosul, que visa financiar projetos de desenvolvimento em áreas mais pobres do bloco. Este fundo será implementado gradualmente até alcançar US$ 100 milhões por ano, dos quais 70% oriundos de recursos brasileiros, 27% da Argentina, 2% do Uruguai e 1% do Paraguai. Na prática, essas medidas demonstram uma forte integração que aumenta os graus de autonomia regional e reduz as assimetrias entre as nações da América do Sul.

Portanto, se os países se queixam é porque a via regional se torna, a cada dia, mais importante para todos, e não o contrário. Conflitos e reivindicações são resultados ''naturais'' da integração. A cúpula reunida no Paraguai traz novidades que mostram que, a despeito de suas dificuldades e da menor ou maior rapidez almejada, o Mercosul amplia-se, seja no sentido de criar as condições para que seus antigos membros se fortaleçam, seja porque inclui novos membros dentro de um projeto mais ambicioso que dá ânimo novo para o desafio da integração sul-americana, que está apenas começando e deve ainda passar por grandes desafios. Aos poucos esses países irão descobrindo que suas crises não são tão particulares assim e que a solução para boa parte de seus problemas pode ser encontrada na própria região. A escolha por um Mercosul ampliado ou pela recém instituída Comunidade Sul-Americana de Nações é o que menos importa. De uma forma ou de outra, todos estaremos em CASA*.

* Nome de batismo da Comunidade Sul-Americana de Nações, que tem encontrado certa resistência de alguns membros do Mercosul.