O Globo, n. 32790, 17/05/2023. Política, p. 4

Trama suprapartidária

Gabriel Sabóia


Em uma articulação que une partidos de todos os espectros políticos, do PT ao PL, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou ontem uma proposta que livra de punição as legendas que cometeram irregularidades nas suas prestações de contas. Elas vão desde desrespeito à participação mínima de mulheres e à cota para negros nas eleições a suspeitas de desvios de verbas públicas. A Proposta de Emenda à Constituição apelidada de PEC da Anistia passará agora por uma comissão especial formada para avaliar o mérito do texto e, em seguida, deve seguir para o plenário da Casa.

Na votação de ontem, que terminou com um placar de 45 a 10, os únicos partidos que orientaram seus deputados a rejeitarem o projeto foram o Novo e a federação formada por PSOL-Rede. Juntos, eles somam 17 deputados. O texto teve o apoio do líder do governo na Casa, José Guimarães (PT-CE), e o da oposição, Carlos Jordy (PL-RJ).

Desde que começou a tramitar, a proposta vem gerando reações adversas a ela. Organizações como Instituto Vladimir Herzog, Open Knowledge Brasil, Transparência Partidária e Transparência Eleitoral Brasil criticaram a iniciativa. Até mesmo integrantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, o Conselhão, e do Conselho de Participação Social, dois colegiados consultivos ligados à Presidência da República, pediram que o governo trabalhasse para derrubar a PEC. O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, a quem o pleito foi endereçado, tentou afastar do Planalto o desgaste causado pelo projeto que avança no Congresso.

— Esse é um tema que afeta os partidos políticos. Não foi nem será um debate do Conselhão —disse.

Revisão das leis

A PEC passou pela CCJ, colegiado responsável por avaliar se um projeto infringe ou não a Constituição. O mérito será apreciado pela comissão especial e, caso passe por ela, pelo Plenário. Esta não será a primeira vez que o Congresso aprova regras para burlar o cumprimento de cotas. No ano passado, o Poder Legislativo promulgou outra emenda, que retira as punições para quem descumprir o piso mínimo de 30% de repasses do fundo para financiar as campanhas eleitorais de mulheres.

A proposta apreciada ontem veda a aplicação de sanções aos partidos que cometeram as mais variadas irregularidades até 2022. Como mostrou levantamento do GLOBO, com base nas prestações de contas parciais, no ano passado a maioria dos partidos não cumpriu a cota mínima de candidaturas femininas que devem ser inscritas, assim como não distribuiu proporcionalmente os recursos para candidatos negros.

Ontem Tarcísio Motta (PSOL-RJ) foi um dos poucos parlamentares que se manifestaram contra a anistia, cuja autoria é do deputado Paulo Magalhães (PSDBA) e relatoria na CCJ de Diego Coronel (PSD-BA).

— A PEC é um absurdo tanto na sua forma quanto no seu conteúdo. Nós não podemos continuar a compactuar com a falta de representatividade no Parlamento —afirmou.

O texto também abre uma brecha para a volta do financiamento empresarial. A redação permite que partidos usem recursos de pessoas jurídicas para o pagamento de dívidas contraídas antes de 2015. A proposta chegou a entrar na pauta da CCJ no final de abril, mas não foi votada após PSOL e Novo protestarem contra a iniciativa.

Caso o texto seja aprovado, os partidos poderão se livrar de punições como a suspensão de repasses do fundo eleitoral, devoluções do valor gasto de forma irregular — que pode ser descontado do partido nos exercícios seguintes — e pagamento de multas.

Os entusiastas da anistia argumentam que as regras só devem valer para eleições posteriores a 5 de abril do ano passado, data em que a PEC foi promulgada pelo Congresso. Favorável à proposta, a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffman (PR), afirmou ainda que as multas determinadas pela Justiça Eleitoral são “abusivas”.

— As multas e retenções que são colocadas pelo TSE são abusivas e vêm para inviabilizar os partidos políticos. Uma multa não pode ser abusiva, tem que aplicar a punição e tem que ser pedagógica para não acontecer de novo.

Regras ignoradas

Neste mês, o Tribunal Superior Eleitoral concluiu o julgamento das contas de todas as legendas relativas a 2017, reprovando 19 delas e aprovando 16 com ressalvas, mostrou o jornal Folha de São Paulo. O Pros, por exemplo, incorporado este ano ao Solidariedade, foi condenado a devolver R$ 2,4 milhões aos cofres públicos por irregularidades ligadas à suspeita de uso do dinheiro público. Entre elas, a compra de quatro toneladas de carne em um ano, a construção de uma piscina e a realização de reformas na casa do então presidente da sigla, Eurípedes Jr., e gastos com compra e manutenção de avião e helicóptero, entre outras aquisições. A sigla nega as irregularidades.