O Globo, n. 32789, 16/05/2023. Economia, p. 11

Trava de gastos

Manoel Ventura
Victoria Abel
Renen Monteiro


Após um dia de intensas negociações, o relator do arcabouço fiscal na Câmara, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), inseriu uma série de “gatilhos” no texto, ou seja, medidas de correção automática de despesas, caso a meta para as contas públicas não seja cumprida. As mudanças foram anunciadas após reunião com líderes da Câmara, na noite de ontem.

Segundo Cajado, em caso de descumprimento da meta por um ano, haverá proibição de criação de cargos, de reajuste de despesas obrigatórias, criação ou aumento de auxílios e concessão ou ampliação de benefício tributário, entre outras medidas. A pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, as despesas com a política de valorização do salário mínimo e os reajustes do Bolsa Família ficarão de fora dos cortes.

— O salário mínimo e Bolsa Família são excepcionalizados. O Bolsa por ser uma despesa obrigatória, o salário mínimo porque houve acordo —disse Cajado.

Acordo contra emendas

As regras ficam mais duras em caso de descumprimento por dois anos consecutivos. Se isso ocorrer, além de todas as medidas anteriores, são disparados gatilhos que proíbem reajuste de salário, admissão de pessoal e realização de concurso público. Caso as metas voltem a ser atingidas, as medidas deixam de valer.

Na reunião, ficou decidido que a urgência do projeto do novo arcabouço fiscal será votada no plenário da Casa até amanhã. Se passar pela votação, o projeto vai direto ao plenário, sem precisar passar por debates em comissões específicas para o tema. A votação da proposta em si deve ficar para a semana que vem.

Projeto prioritário do governo, o arcabouço fiscal irá substituir o teto de gastos, que impede o crescimento das despesas acima da inflação do ano anterior. A nova regra permitirá o crescimento dos gastos acima do índice de preços, mas isso dependerá do comportamento das receitas.

Cajado inseriu novas despesas dentro da regra fiscal, além do que estava previsto no projeto do governo. Ele colocou dentro da nova regra as despesas do Fundeb (fundo da educação básica), da subvenção federal ao piso da enfermagem para estados e municípios, do Fundo Constitucional do DF e da Agência Nacional de Águas (ANA). Essa medida, na prática, amplia a base de gastos do governo.

Por outro lado, Cajado criou uma nova exceção: gastos com escolas militares (naquelas em que são cobradas mensalidades) ficam fora da nova regra.

Cajado afirmou que já ficou negociado entre os partidos que não serão apresentadas propostas de emendas (sugestões de alterações para serem votadas separadamente) ao texto do arcabouço:

— Está mais ou menos encaminhado que não deva ter apresentação de emendas, nem destaques, porque houve um acordo aqui.

O relator afirmou que os deputados estão cientes de que essa é a lei mais importante do ano:

— Todos os acordos são no sentido de ter credibilidade das contas públicas.

Com a disponibilização do texto na íntegra, as bancadas poderão sugerir mais modificações. Cajado afirmou que vai ter uma nova rodada de conversas com os partidos nesta semana.

— Se houver acordo sobre outros pontos, não teria problema em acatar —afirmou.

Em reunião mais cedo com ministros e lideranças petistas, no Palácio do Planalto, o presidente Lula afirmou que não aceitará oposição do PT ou um racha do próprio partido durante as votações de tramitação do projeto. O presidente chegou a dizer, segundo interlocutores, que “quem dá trabalho é a oposição, não o partido do governo”.

Nos últimos dias, parlamentares do PT vinham pressionando por mudanças no texto e sugerindo emendas ao projeto. Para uma emenda ser votada separadamente durante a análise de um projeto na Câmara, é preciso que o líder do partido faça um destaque no plenário. O líder do PT na Casa, Zeca Dirceu (PR), já havia afirmado que não faria destaques ao texto.

Sanção em vez de punição

Para 2024, a meta é zerar o déficit público. Em 2025, a expectativa é de um superávit de 0,5% do PIB. No ano seguinte, um superávit de 1% do PIB. Há críticas entre especialistas e parlamentares de que não haveria medidas para garantir essas metas. Por isso, Cajado passou a desenhar medidas para restringir novos gastos.

As travas propostas substituem uma punição criminal ao presidente da República e aos gestores federais que descumprirem a meta fiscal.

Para o relator, a criminalização faz o gestor propor metas que não sejam ambiciosas. Hoje, é crime de responsabilidade descumprir metas, mas elas são frouxas ou alteradas ao longo do ano.

— Uma coisa é você fazer as sanções da gestão, outra é você criminalizar o gestor. A criminalização está descartada — disse Cajado.

Mais tarde, à GloboNews, Cajado fez um balanço do relatório apresentado:

— Não ficou draconiano nem sem sanções.