O Globo, n. 32789, 16/05/2023. Política, p. 4

Escolhidos a dedo

Lauriberto Pompeu
Gabriel Sabóia


Em uma relação de desconfiança mútua com o Palácio do Planalto, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PPAL), tem dado preferência a alguns de seus aliados mais fieis para assumir relatorias de propostas importantes ou postos estratégicos nas comissões parlamentares de inquérito (CPIs) criadas na Casa, sobretudo as que envolvem assuntos espinhosos para o governo. As escolhas recaem não apenas em nomes do seu partido, o PP, mas também do União Brasil e do PSB, siglas da base aliada que abrigam parlamentares afinados com seu grupo político.

Um dos principais exemplos é a escolha do deputado Arthur Maia (União-BA) como o nome da Câmara para presidir a CPI mista dos Ataques Golpistas, a ser instalada nesta semana. Lira tem atuado pessoalmente para que Maia seja o confirmado para o posto. Inicialmente, os líderes do bloco partidário do qual o dirigente da Câmara faz parte cogitaram para a cadeira o deputado André Fufuca (PP-MA), líder do partido. No entanto, Lira preferiu indicar Maia, sob o argumento que Fufuca é aliado regional do ministro da Justiça, Flávio Dino, um dos principais alvos da oposição na comissão.

Essa não será a primeira missão que Maia vai cumprir sob incumbência de Lira. No ano passado, o parlamentar já havia relatado a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma administrativa e presidiu a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante da Casa.

Favorito e incógnita

O comportamento de Maia em relação ao Palácio do Planalto é considerado uma incógnita por governistas. O deputado é adversário político do PT na Bahia e apoiou Jair Bolsonaro na campanha eleitoral. Agora, porém, o cenário é diferente. Integrantes do União Brasil dizem que dificilmente o parlamentar terá a mesma postura de oposição adotada até o ano passado. Citam o fato de ele ter indicado o superintendente da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) em seu estado.

— O Arthur não vai no ímpeto de prejudicar o governo. Pode ter certeza. É um parlamentar experimentado, totalmente equilibrado, competente, foi presidente da CCJ —disse o líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA).

O próprio Elmar tem sido escalado para assumir relatorias de assuntos estratégicos para Lira. Ainda em dezembro, coube ao parlamentar o texto final da chamada PEC da Transição, que permitiu a Lula ter caixa para pagar benefícios do Bolsa Família e aumentar o salário mínimo. Neste ano, relatou um projeto que favorece réus em casos de empate em julgamentos de ações criminais em tribunais, numa medida que é vista como benéfica aos políticos.

Tinta na caneta

A influência sobre os relatores permite a Lira ter maior poder de barganha com o Palácio do Planalto. Cabe ao parlamentar escolhido para a função incluir ou retirar trechos de um projeto que pode ser de interesse do governo, por exemplo. No caso de CPIs, por sua vez, o relator é o responsável por definir quem deve ser alvo de pedido de indiciamento e submeter à votação do plenário.

Por meio de sua assessoria, Lira disse que “a indicação de deputados para postos de comando das CPIs obedecem os mais variados critérios” e citou “conhecimento do assunto, indicação partidária e consenso das legendas”. Alegou ainda que “não é uma definição solitária do presidente da Câmara, embora ele tenha prerrogativa para tal”.

Preterido na CPI dos Ataques Golpistas, Fufuca não deve ficar de mãos vazias. O nome dele, que também faz parte do grupo de Lira, é um dos cotados para assumir a presidência da CPI das Apostas Esportivas, que apura um esquema de manipulação de resultados de jogos de futebol em campeonatos do país. O líder do PP disputa o cargo com o deputado André Figueiredo (PDT-CE).

Na mesma comissão já está acertado que a relatoria ficará com o deputado Felipe Carreras (PSB-PE), outro nome que orbita o entorno de Lira. Em 2021, o deputado chegou a contrariar a direção do seu partido para apoiar a eleição do atual presidente da Câmara. Agora, como mostrou o GLOBO, tem sido responsável por manter a sigla de centroesquerda mais próxima do Centrão do que do Executivo.

O roteiro se repete na proposta do arcabouço fiscal, prioridade do governo Lula para reequilibrar as contas públicas. Lira também fez questão de escolher alguém de sua estrita confiança ao escalar o deputado Cláudio Cajado (PP-BA) como relator.

Vice-presidente da Câmara e presidente do Republicanos, o deputado Marcos Pereira (SP) avaliou o comportamento de Lira como natural:

— Para as batalhas se deve escalar soldados fiéis.

Por outro lado, o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) cobrou que mais espaços na Casa sejam delegados a seu partido, que é o maior da Câmara, com 99 deputados:

— Ele até agora não está valorizando o PL como maioria. É o primeiro partido a apoiá-lo. Mas ainda há tempo dele dar ao PL o protagonismo que deve ser dado.