O Estado de S. Paulo, n. 46631, 19/06/2021. Política, p. A4

Queiroga e ex-ministros viram investigados na CPI

Daniel Weterman
Amanda Pupo


Em nova etapa após quase dois meses de funcionamento, a CPI da Covid transformou 14 testemunhas em investigados, sendo a maioria dos nomes ligada ao presidente Jair Bolsonaro. Anunciada ontem pelo relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), a lista inclui o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga; o general Eduardo Pazuello, ex-titular da pasta e o ex-chanceler Ernesto Araújo, além de integrantes do chamado “gabinete paralelo”, núcleo de assessoramento do presidente na condução da pandemia.

A investigação representa uma derrota para o governo na CPI e expõe a estratégia para responsabilizar Bolsonaro pelo descontrole da pandemia do novo coronavírus, que está prestes a atingir a marca de 500 mil mortes. Renan afirmou que avalia incluir o próprio presidente como investigado. Para integrantes da CPI, a crise sanitária no Brasil se agravou porque Bolsonaro incentivou o tratamento com medicamentos sem eficácia comprovada, como a cloroquina, apostou na imunidade de rebanho e promoveu aglomerações .

“Nós estamos numa situação difícil porque tem um louco na Presidência da República, que todo dia atenta contra os brasileiros”, disse Renan. “Se pudermos investigar, se a competência nos permitir, vamos investigar, sim. Não podendo, a CPI vai ter de responsabilizá-lo porque diante de provas não há como não responsabilizar. Seria um não cumprimento do nosso papel”.

Na prática, quando alguém passa da condição de testemunha para investigado significa que a CPI já levantou indícios e provas que podem responsabilizar sua atuação na pandemia. Ao mesmo tempo, em novo depoimento, o investigado pode ficar em silêncio para evitar produzir provas contra si mesmo.

Boicote. Renan abandonou a sessão da CPI e anunciou fora da sala a lista com os 14 nomes investigados. Em um gesto de protesto ao depoimento de médicos que defendem o tratamento precoce contra covid-19, o relator e outros senadores do G-7, grupo que inclui parlamentares de oposição e independentes, decidiram se retirar.

Enquanto governistas ouviam o infectologista Ricardo Zimerman, um dos apontados como integrante do “gabinete paralelo”, Renan falava com os repórteres. Apesar de esvaziada com o boicote da oposição, a CPI também ouviu ontem o médico Francisco Cardoso Alves, outro defensor de cloroquina.

“Eu não tenho o que perguntar”, disse Renan, ao sair da sala. “Não tem o que não lhe interessa”, devolveu o senador Luiz Carlos Heinze (Progressistasrs), aliado de Bolsonaro.

O relator justificou a inclusão de Queiroga na lista de investigados sob o argumento de que o ministro “mentiu muito” ao depor. “Ele teve participação pífia e ridícula na CPI”, resumiu. Renan também citou documentos enviados pelo Itamaraty, mostrando que Queiroga tentou “vender o tratamento precoce e a cloroquina” em reunião no dia 3 de abril, por teleconferência, com o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus.

Aos senadores, porém, o titular da Saúde admitiu que os medicamentos não são eficazes contra covid-19. “Ele finge que é ministro, defende o uso de máscara e o presidente diz que ele estará obrigado a fazer um decreto minimizando o uso de máscara”, criticou Renan. De acordo com o senador, Queiroga levou um “puxão de orelha” da OMS ao cobrar agilidade no envio de vacinas ao Brasil após o Ministério da Saúde ter atrasado os pedidos, no ano passado, e optado por comprar imunizantes para 10% da população no consórcio Covax Facility.

O empresário Carlos Wizard e o ex-assessor especial da Presidência Arthur Weintraub também entraram na lista dos investigados da CPI. Os dois são apontados como integrantes do gabinete paralelo, que, segundo a comissão parlamentar de inquérito, aconselhava Bolsonaro a investir primeiro em medicamentos sem eficácia contra covid-19, deixando de lado a compra de vacinas.

Wizard deveria ter comparecido anteontem à CPI, mas faltou, sob a alegação de estar em viagem aos Estados Unidos. A Justiça Federal de Campinas autorizou a apreensão do passaporte do empresário depois que a Polícia Federal fez buscas no seu escritório, mas não o encontrou. O ministro do STF, Luis Roberto Barroso, autorizou a condução coercitiva do empresário.

Ajuda. Ao prestar depoimento, Pazuello disse que Wizard ajudou muito o governo com ações para enfrentar a pandemia. O exministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta confirmou, por sua vez, que Bolsonaro contava com um aconselhamento de fora nessa área. Logo que foi convocado, o empresário pediu para ser ouvido por videoconferência, mas não foi atendido. O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), decidiu acionar a Justiça para a condução coercitiva e a apreensão do passaporte de Wizard.

“O que eles estão fazendo, porque têm dinheiro, é uma espécie de turismo de impunidade”, atacou Renan, numa referência ao empresário e a Arthur Weintraub. “Viajam para o exterior para driblar o prazo da CPI. Isso, evidentemente, põe obstáculos no caminho da investigação, mas nós não vamos concordar que essas coisas aconteçam”.

O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), contou que o ex-governador do Rio Wilson Witzel afirmou ter sido ameaçado. Witzel depôs na última quarta-feira. Disse que os hospitais federais do Rio “têm um dono”, mas se comprometeu a revelar nomes somente em sessão secreta.

Investigados

• Eduardo Pazuello e Élcio Franco

Ex-ministro da Saúde e ex-secretário executivo são acusados de negligenciar vacinação e de omissão na crise em Manaus.

• Arthur Weintraub, Carlos Wizard, Nise Yamaguchi e Paolo Zanotto

Ex-assessor da Presidência, empresário e médicos integraram o “gabinete paralelo” que assessorou Bolsonaro na pandemia.

• Ernesto Araújo e Fabio Wajngarten

Ex-chanceler criticou a China, principal fonte de vacina e insumos. Já o ex-secretário de Comunicação promoveu campanha contra o isolamento social.

• Francieli Fantinato

Coordenadora do Programa Nacional de Imunização é apontada como responsável por editar nota recomendando a aplicação do imunizante em gestantes.

• Marcellus Campêlo

Ex-secretário de Saúde do Amazonas é investigado por negligência na pandemia em Manaus.

• Marcelo Queiroga

Ministro da Saúde se tornou alvo da CPI por dar aval à postura de Jair Bolsonaro a favor do tratamento precoce e pelo confronto com Estados e municípios.

• Mayra Pinheiro e Hélio Angotti Neto

Secretários do Ministério da Saúde são investigados por estimular o uso de cloroquina9.

• Luciano Azevedo

Anestesista é apontado como responsável pela elaboração de uma minuta de decreto para ampliar o uso da hidroxicloroquina nos casos de coronavírus.