Título: Democracia não tem dono
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 19/06/2005, Outras Opiniões, p. A12

Nenhum povo, por pior que seja, jamais será pior do que qualquer governante, por melhor que seja

A impressionante demonstração de pujança democrática - hegemonia à parte - dada pelos eleitores do Estado da Califórnia, retirando, em pleno mandato, pelo veto democrático, um governador que não preenchia os requisitos básicos de seus interesses de cidadãos livres e desimpedidos de cabrestos coronelescos e demagógicos, fez-me pensar a pergunta: afinal, o que é a democracia?

Imediatamente, lembrei-me do grande Norberto Bobbio, em seu perplexante livro, Afinal, o que é o socialismo?

Bobbio não conseguiu responder, do mesmo modo que José Sarney, com o seu famoso ''Tudo pelo social'', nem Lula, com o seu controvertido ''Fome Zero'', provar que interesses superiores àqueles da cidadania e da própria soberania interferem no chamado sentido social do regime democrático.

Daí, ter-me chamado a atenção o fato de que, em uma instituição democrática, somente a coragem de seus reais proprietários - os cidadãos - deva falar mais alto que qualquer mandatário, mesmo que eleito por esse mesmo povo! Entenderam?! Aliás, a respeito das chantagens habituais dos políticos medíocres, que não estão à altura dos cargos que representam, sempre veio-me à mente uma dúvida sobre a famosa frase: cada povo tem o governo que merece! E sabem que dúvida é essa? Exatamente o fato de que acredito na maldade perversa desta frase, criada pelos piores políticos para se protegerem, antes, das safadezas que farão depois, jogando suas culpas sobre aqueles que os elegeram! Por isso mesmo, hoje, tenho a certeza, em nome da real democracia, que a frase deveria ser invertida pelos eleitores, defendendo-se desse cinismo criado pelos políticos, que usam do discurso demagógico para obter seus sinistros fins de gângsteres da cidade. E que frase seria?

Justamente esta: nenhum povo, por pior que seja, jamais será pior do que qualquer governante, por melhor que seja! A partir desse consenso de superioridade popular sobre qualquer partido, ideologia e personalidade política, será muito mais fácil estabelecer um controle legal e definitivo sobre aqueles que abusam dos discursos para assumir o poder; e, depois, repetir o que eles mesmo combatiam! Daí, a moral pública dos referendos, dos plebiscitos e mesmo da instituição de eleições populares, convocadas pelo povo, para reavaliar a competência dos que foram eleitos, para continuar exercendo seus mandatos - seus, não, do povo! Foi o que fizeram com Schwarzenegger, na Califórnia, elegendo o famoso ex-exterminador do futuro como o excelente administrador do presente, derrotando, em pleno mandato, aquele que não cumpria suas obrigações democráticas: a democracia não pode esperar!

Para que tenhamos tudo isso que sugerimos, pelos comentários que fizemos acima, teríamos que modificar totalmente nossas leis políticas, naquilo que fossem alteradas para benefício da democracia, da cidadania e da soberania brasileiras! E aí, justamente, é que está o problema! Pois viriam os políticos, se assim o fizessem, a contrariar seus próprios interesses... É preciso que se escreva mais alguma coisa?