Título: Dama-de-ferro no Planalto?
Autor: Maria Clara L. Bingemer
Fonte: Jornal do Brasil, 27/06/2005, Outras Opiniões, p. A11

A Casa Civil da presidência da República tem, a partir de poucos dias atrás, novo responsável. Trata-se de uma mulher, a mineira Dilma Rousseff, até então ministra das Minas e Energia. No bojo da crise que sacode impiedosamente a barca do governo Lula, Dilma substitui o deputado José Dirceu, que saiu do cargo após as denúncias do deputado Roberto Jefferson envolvendo seu nome .

Com 57 anos de idade, Dilma tem currículo volumoso e brilhante, em termos acadêmicos e políticos. É economista, com mestrado em Teoria Econômica e doutorado em Economia Monetária e Financeira. Em sua juventude, viveu intensamente o período da ditadura militar, integrando movimentos de esquerda como o Política Operária (Polop), em 1967 e, a partir de 1969, o Comando de Libertação Nacional (Colina), que pregava a luta armada contra a ditadura e, mais tarde, se tornaria a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares). Entrou na clandestinidade, usou codinomes vários, o que não foi capaz de livrá-la de interrogatórios, prisão e tortura.

Militou no PDT antes de ingressar no PT. Foi no Rio Grande do Sul que começou a especializar-se no setor energético e ocupou, por duas vezes, a Secretaria Estadual de Minas e Energia. Assumiu o Ministério de Minas e Energia do governo Lula com o compromisso de expandir o setor, garantir o abastecimento energético, com tarifas mais baixas, e evitar o fantasma do racionamento. Ao longo de dois anos e meio à frente do Ministério, Dilma Rousseff cultivou a fama de dama-de-ferro. Foi firme ao negociar com empresários a restruturação do setor elétrico e nunca demonstrou inclinação para acordos políticos e concessões de qualquer espécie.

Se, por um lado, esses traços de sua personalidade tranqüilizam, dizendo-nos que teremos à frente da Casa Civil alguém competente, consistente e firme, por outro, o perfil de dama-de-ferro inquieta. Remete a rigidez, inflexibilidade, dureza. Remete, sobretudo, a outras ''damas'' do cenário político nacional e internacional que pretenderam ser de ferro e fizeram o povo sentir duramente o metal de que eram feitas.

Todos nos lembramos da frieza implacável da primeira-ministra inglesa Margaret Thatcher que, em diversas ocasiões, deixou o mundo pendente das decisões que sairiam de seus lábios finos encimados por glaciais olhos azuis. E está bem perto de nós a nada alegre memória da ministra do governo Collor, Zélia Cardoso de Mello, ao anunciar, sem um tremor sequer na voz, as medidas do Plano Collor que seqüestravam, sem sombra de escrúpulo ou remorso, a poupança duramente conseguida por uma classe média trabalhadora, sacrificada e desavisada.

As cenas de desespero de pessoas que haviam perdido da noite para o dia o fruto de uma vida inteira de trabalho não parecia comover a mulher forte do governo Collor, que pouco depois deixaria o cargo em meio a um rumoroso e pouco elegante envolvimento com conhecido deputado de então.

Por isso, a nomeação de uma mulher para o posto mais importante do Ministério de Lula instiga mas também atemoriza. Em países de tradição anglo-saxônica, como a Inglaterra, a Índia, o Paquistão é bem mais comum e não chega a causar perplexidade o fato de uma mulher ocupar altos cargos políticos. Porém, o machismo latino que ainda habita grandemente países como o Brasil tornam o fato digno de comentários e reflexão.

Diante do perfil forte e decidido de Dilma Rousseff, acendem-se expectativas, temores, mas também esperanças. Mais ainda na imediata posterioridade de decepção tão imensa como vem sofrendo aqueles que apostaram todas as suas fichas no novo modelo de país que se estaria construindo nos últimos anos. Sem fazer uma só concessão à competência e às conseqüentes exigências de seu importante cargo, espera-se da nova ministra uma atuação firme e uma visibilidade vigorosa.

Mas também, por favor, compaixão, sensibilidade, ternura. Dilma assume a Casa Civil em momento de muita ferida e desencanto do povo brasileiro. Seu passado idealista de guerrilheira e combatente nos permite esperar que, por trás de toda a sua firmeza e vigor, bata um coração capaz de paixão, emoção e atenção. E, sobretudo, de compromisso inalienável com a vida em todas as suas formas. Se a mulher se demitir de sua milenar tradição de guardiã da vida, não apenas o Brasil, mas o mundo, a humanidade se encontrarão seriamente ameaçados.