Título: Passos contra o preconceito
Autor: Branca Nunes e Vivian Rangel
Fonte: Jornal do Brasil, 27/06/2005, Rio, p. A13

Um beijaço deu início ao desfile da 10º parada do orgulho gay da cidade, quando milhares de pessoas sincronizaram um grande beijo. Foram cinco minutos de alegria para aqueles que raramente têm a oportunidade de trocar carinhos em público e momentos de espanto para quem, pela primeira vez, via tantos casais homossexuais juntos. No calçadão, uma senhora não disfarçava o desconforto afirmando que estava diante do renascimento de Sodoma e Gomorra e ¿tinha medo de sonhar com as cenas que presenciava¿. Ela era exceção. O clima lembrava fim de campeonato de futebol ou desfile de escola de samba, com a diferença de que, embora em torcidas diferentes, todos celebravam as mesmas vitórias. Do outro lado do trio elétrico, Naldir Azevedo, 80, e Sueli Sampaio, 61, estampavam a alegria compartilhada pela maioria do público. O casal dançava ao som de Bom é beijar, hino da Parada, que diz no refrão: ¿o importante é beijar, não importa se dama ou cavalheiro¿. Na primeira parada gay que participavam, já tinham a certeza de que estariam presentes na próxima.

¿ Estou achando tudo maravilhoso, não imaginava que seria tão animado ¿ divertia-se Sueli.

O casal representa a mudança de mentalidade em curso no país, mais aberta a gays, lésbicas e transexuais. Em toda a orla, famílias, casais heterossexuais e idosos aproveitavam a parada para se posicionar a favor da igualdade de direitos, independentemente da opção sexual. A cantora Marina Lima comemorava a mudança de perfil do público.

¿ Quando eu era adolescente, as pessoas só queriam ser felizes, contentavam-se em ficar em guetos. Hoje, há um movimento organizado, que quer ir adiante e garantir a legalização dos direitos civis ¿ comparou a cantora.

O tema da 10ª Parada do Orgulho Gay, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros (GLBT) - Rio 2005 é ¿O direito de amar quem quiser¿. Os participantes reivindicavam a aprovação da Lei 1.151, que regulamenta a união civil entre pessoas do mesmo sexo, e a votação do projeto de lei 5.003, que reconhece como crime a discriminação contra homossexuais.

¿ Há uma grande omissão do Congresso Nacional com relação aos homossexuais, o projeto de união civil existe há dez anos e até agora não entrou em votação ¿ afirmou presidente do grupo Arco-íris e coordenador geral do evento, Cláudio Nascimento.

O ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, trouxe uma mensagem do presidente Lula que, parafraseando Milton Nascimento, mandou dizer ao público que ¿todas as formas de amor valem a pena¿. Segundo ele, o governo, que apóia 23 paradas gays em todo o país, fará o possível para desengavetar a lei.

¿ A posição oficial do governo é conscientizar a maior parte da população para os direitos de todos e lutar contra a homofobia. Até o fim do ano, colocaremos a Lei da união civil em votação ¿ prometeu o ministro.

¿ O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, é religioso, mas prometeu manter a votação em pauta. O congresso reflete a sociedade e é com atos como o de hoje que a aprovação da lei virá ¿ completou o deputado federal André Costa (PT-RJ), líder da frente contra a homofobia.

A politica era o tema da Parada, mas como observou a cantora Fernanda Abreu, o evento era muito mais do que uma manifestação. Segundo ela, a concentração lembrava uma festa, onde reinava o respeito à diversidade:

¿ Está mais do que na hora de acabar com as opiniões retrógradas e estabelecer os direitos iguais a todos. É obrigação do cidadão carioca estar aqui, levantando a bandeira. Mais do que um ato político, as pessoas se reúnem em nome do amor. Logo no início dos discursos, a cantora Marina Lima quis deixar claro que o objetivo da festa era ficar à vontade. Convocou Fernanda Abreu para ¿criar um fato¿.

¿ Fernanda, vem cá. Vamos celebrar a igualdade com um selinho ¿ intimou Marina, segundos antes de protagonizar o beijo que levou a multidão ao delírio.

Outro ponto alto dos discursos foi a premiação do ganhador do último Big Brother, Jean Wyllys, que recebeu o prêmio Arco-íris de direitos humanos. Ao assumir sua posição sexual publicamente, o escritor e professor universitário afirma que ajudou a levar a discussão do homossexualismo para dentro das casas de muitas famílias.

As falas dos artistas e autoridades foram só o aquecimento para milhares de pessoas da orla. Segundo estimativa do 19º BPM (Copacabana) eram 400 mil participantes. Os organizadores do evento afirmam que o número ultrapassou 800 mil. Quem passava pela praia quase não conseguia andar entre a multidão que se espremia em todo o percurso do Posto 6 ao Posto 1.

Entre biquínis e calças jeans, destacavam-se os mais variados personagens do mundo gay. Eram drag queens vestidas de noivas, padres, freiras, borboletas e onças que coloriram a orla e encantavam as crianças, que não sabiam para qual dos 16 trios elétricos olhar primeiro.

Um casal de smoking e alianças se destacava entre as plumas e paetês. Toni Reis, subsecretário da ABGLT, e David Harrad estão juntos há 16 anos e lutam para oficializar a união.

¿ A principal diferença dessa parada é a participação maciça de heteressexuais, uma prova de que o Rio é uma cidade mais aberta. É claro que há homofóbicos, mas eles são cada vez mais raros ¿ conta Toni. Heterossexuais como o curitibano Eugênio Monteiro, que fez questão de levar os sobrinhos Ramon e Rodrigo de 6 e 12 anos, que estavam de férias na cidade, para assistir a Parada.

¿ Trouxe os meninos porque quero que eles aprendam a conviver com as diferenças desde cedo. Só assim conseguiremos acabar com o preconceito e teremos uma sociedade mais justa.