Título: A crise na Varig - Conselho é foco de conflitos
Autor: Cláudio Magnavita
Fonte: Jornal do Brasil, 27/06/2005, Economia & Negócios, p. A17

Para tomar esta medida, prevista desde que a nova Lei de Falências entrou em vigor, não precisava convocar nenhum grupo de notáveis. Nunca houve crise de credibilidade para a marca.

O problema na destruição da imagem da Fundação Ruben Berta foi não separar a sexagenária instituição beneficente, de uma medida casuística que foi a criação do Conselho de Curadores, instituído apenas em 1995. Formado por sete membros, o Conselho trouxe para si uma responsabilidade que destoa da legitimidade de um Colégio Deliberante, este sim, concebido pelo próprio Ruben Berta. A instância maior de poder é o Colégio formado por funcionários eleitos democraticamente, um verdadeiro parlamento.

O Conselho Curador surgiu há apenas uma década e tem sido o foco de conflitos entre executivos e acionistas. Cada mudança de presidente assume colorações de golpe de estado. O problema é agravado quando os curadores exercem funções de segundo e terceiro escalão na empresa e subvertem a hierarquia cortando a cabeça dos seus chefes. Não há estrutura que resista à insubordinação de cabos e sargentos.

Insubordinação que resultou até em peitar o governo federal, quando nas vésperas da eleição do novo Conselho o próprio vice-presidente da República ligou para Ernesto Zanata, então presidente do Conselho, e oficializou a sugestão.

- O Governo quer sugerir o novo diretor financeiro da Varig e mais dois conselheiros. Zanata, manda quem pode e obedece quem tem juízo - finalizou José Alencar, que tinha ao lado a presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas, Graziela Baggio.

A história mostra que não levaram em conta o apelo do Planalto, materializado na voz do José Alencar, e fizeram uma escolha notável.

O problema fica maior quando se passa, messianicamente, a acreditar, no seio deste próprio núcleo de poder, nas mentiras e distorções de realidade promovidas pela mídia sobre o próprio modelo socializante da Fundação. Ninguém a defendeu. Ninguém se manifestou para relembrar. Bastava olhar para o retrovisor, na época áurea, quando a empresa voava em céus de brigadeiro, onde os dividendos eram revertidos para os próprios funcionários. Um modelo de vanguarda e justo. Não se trata de uma empresa cheia de ratazanas, como um dos notáveis chegou a afirmar. Trata-se de uma companhia de herdeiros. Herdeiros de pelo menos quatro gerações que construíram uma das maiores marcas da nossa aviação.

Ao acreditar nas mentiras, insistentemente repetidas, alguns curadores se desdobram em buscar uma solução externa. Procuram dar um choque de ilusória credibilidade para resolver o seu problema pessoal de crença.

Crença em acreditar numa Varig para os variguianos, como pensou Ruben Berta. Onde o trabalho sempre foi justamente remunerado e o lucro socializado em benefício de uma realização pessoal que não é utópica, porque foi, durante cinco décadas, plenamente vivida.

A Varig não é uma empresa sem dono. A sua história é a verdadeira proprietária de uma carteira de ações, que foi destinada por Ruben Berta ao variguiano.

A empresa só tem uma forma de sair deste mergulho escuro e profundo, que só pode durar 180 dias: o variguiano recuperar a sua auto-estima. De saber que ele pode e deve arbitrar o seu próprio destino.

Notáveis são os funcionários dos mais diferentes níveis que mantiveram a empresa viva durante esses últimos anos, mesmo sendo massacrados pela mídia, atropelados pela insensibilidade governamental, com salários atrasados por conta das pressões da Infraero e do Banco do Brasil. Esses são os verdadeiros notáveis e que merecem toda a nossa credibilidade. Os que chegaram agora, e que seguraram o manche sem compreender a companhia e deixaram vazar o precioso combustível do tempo, devem ter mais humildade ao passar pelos portões da Varig e usarem a mesma sala que foi utilizada por Ruben Berta, Erick Carvalho, Helio Schmidt, Fernando Pinto, Osíres Silva e Carlos Luiz Martins.

Devem entender que a empresa ainda tem donos e não relegá-los ao fundo do salão, como fizeram na coletiva, quando não tiveram a sensibilidade de colocar um representante da FRBpar na mesa principal.

A verdade é que os conselheiros receberam um cheque em branco. Mas apenas com uma assinatura. Para sacá-lo falta a assinatura do Colégio Deliberante e o visto do procurador de fundações. Se o clima de empáfia e desdém com o corpo funcional e diretivo se mantiver, dificilmente essas novas assinaturas serão concedidas.

Finalmente, devem explicar ao procurador de fundações e ao próprio Colégio por que desdenharam solenemente as propostas concretas de vários investidores, ignorando opções sólidas e reais para salvar a empresa e fizeram a companhia virar cobaia da Lei de Recuperação Fiscal. Devem explicar principalmente a decisão, confirmada em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, na última quinta-feira, ''na nova Varig, a Fundação vai ficar com uma pequena participação. Será apenas uma investidora. A nossa proposta é que esse trust seja formado por quatro conselheiros e mais três membros do Conselho Curador. Os quatro conselheiros seriam eu, Omar Carneiro da Cunha, Eleazar de Carvalho e Marcos Azambuja (os três levados para o Conselho por Zylbersztajn). A idéia é a Fundação ficar com apenas 10% da nova Varig. O interessante é que esse novo modelo vai exigir uma estratégia de governança muito forte''.

Uma proposta que provoca arrepios, principalmente pelo histórico dos últimos 40 dias. Fica flagrada a formação de uma panelinha, onde se contempla apenas quatro dos nove membros do Conselho de Administração e três dos sete curadores. Os excluídos não são tão notáveis para fazer parte deste time? No mínimo é imoral e só a sua existência serve para desacreditar os proponentes e colocar em dúvida qualquer isenção na condução de um processo transparente de recuperação da empresa.

A exemplo da ampulheta do tempo que ficou vazia, o saldo do voto de confiança interno outorgado, por boa fé, na semana da posse, também está chegando ao fim.