Título: Um novo olhar sobre a Fundação Ruben Berta
Autor: Cláudio Magnavita
Fonte: Jornal do Brasil, 27/06/2005, Economia & Negócios, p. A17

Durante uma coletiva de imprensa realizada no Salão Ícaro da Varig no Rio de Janeiro, no último dia 17 de junho, uma pergunta cruzou o ar como uma flecha:

- Presidente, o senhor não acredita que está existindo uma verdadeira ''satanização'' da Fundação Ruben Berta, quando o mercado a coloca como principal responsável pelos problemas que a Varig enfrenta?

A pergunta foi direcionada ao presidente do Conselho de Administração da companhia, David Zylbersztajn, que concedia a sua primeira entrevista coletiva no novo cargo. Ao seu lado estava o presidente executivo Henrique Neves e o advogado Sergio Bermudes, que acabavam de anunciar a adesão da empresa à nova Lei de Recuperação Fiscal.

Os curadores da Fundação, alojados no fundo do salão, aguçaram os ouvidos para ouvir a resposta de Zylbersztajn, que se limitou à frase:

- Quando assumimos a Varig, resolvemos olhar para frente e arrancamos os espelhos retrovisores.

O jornalista que fez a pergunta sabia do que estava falando. No domingo seguinte, uma reportagem de página inteira no Estado de São Paulo trouxe o título ''Varig, uma crise com vários vilões''. No texto, ele buscou o testemunho isento de ex-presidentes da companhia, entre eles Osires Silva, que afirma que ''o grande culpado pela crise da Varig é o governo federal. A Varig tem 78 anos e passou por diversas mudanças de planos econômicos. Dizer que a Fundação é culpada é uma imensa injustiça''.

Sendo proprietária de 87% das ações da Varig, nos últimos anos a Fundação tem sido apontada como a grande vilã da atual crise da companhia. Até o também ex-presidente Arnim Lore afirmou ao jornalista Alberto Komatsu, do jornal O Estado de São Paulo, que ''o que está sendo feito é uma caça às bruxas: procura-se o culpado e não a solução''.

David Zylbersztajn perdeu uma boa oportunidade para dar a sua contribuição na eliminação da cortina de fumaça de equívocos que turva a percepção da verdadeira imagem da Fundação. Logo ele, que foi contratado pelos Curadores e recebeu carta branca para solucionar os problemas do passivo da Varig.

É preciso deixar bem claro ao mercado que a Varig possui dono. Ela pertence a todos os seus funcionários e o controle se manifesta em um instrumento de vanguarda implantado por Ruben Berta em 7 de dezembro de 1945, quando foi lavrada no 3º Cartório de Notas de Porto Alegre a escritura pública da Fundação dos Funcionários da Varig.

Em um país de injustiças sociais e com um capitalismo selvagem, a Fundação dos Funcionários da Varig representou durante décadas um instrumento socializante do lucro. Durante o período dourado da aviação, os benefícios socializados contribuíram para a formação de um quadro funcional altamente qualificado e de baixíssima rotatividade. Quem nascia variguiano morria variguiano. Para a presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas, Graziela Baggio, deveria-se respeitar a relação empresa-funcionário-empresa estabelecido de forma pioneira pela empresa.

Nos últimos 10 anos o processo mudou. A criação, em 1995, no início da enfermidade financeira da empresa, da figura do Conselho Curador é que criou uma profunda distorção do sistema de gestão. Até então, o presidente da Varig era o presidente da Fundação e do Conselho de Administração. A instância maior de decisão era o Colégio Deliberante, um verdadeiro parlamento, formado por mais de 100 funcionários, eleitos pelo critério de antiguidade e competência.

Com a crise, já provocada pelo congelamento tarifário e a concorrência predatória estabelecida no governo Collor, surge uma mudança de estatutos da Fundação e é criado o Conselho de Curadores, formado por sete membros, que deveriam agir como acionistas, cobrando dos executivos da empresa uma performance lucrativa. Os papéis são divididos. Os curadores de um lado e do outro a administração do sistema social da Fundação, por uma enorme gama de benefícios e assistências sociais, suplementando muitas vezes (principalmente na área médica) obrigações que caberiam ao Estado.

O foco do problema está nesta nova figura jurídica, o Conselho de Curadores, que agindo como acionista passou a ter o direito de escolher de forma soberana o Conselho de Administração das empresas controladas e esse, por sua vez, os executivos. O foco do conflito que acaba satanizando a Fundação é exatamente esse.

A Fundação é responsável hoje por zelar por mais de 85 mil vidas. Tem uma folha de serviços prestados no social que mereceu reconhecimento internacional. Ela honra os princípios do seu fundador, que acabou com o seu falecimento em 1966, emprestando-lhe o próprio nome. (C.M.)