Título: A crise na Varig - Sem tempo para aprender
Autor: Cláudio Magnavita
Fonte: Jornal do Brasil, 27/06/2005, Economia & Negócios, p. A17

O novo Conselho de Administração da Varig está no meio de uma tormenta. A situação ficou ainda mais grave por eles terem sido colocados intempestivamente no comando da companhia, sem trazer, nos seus quadros, nenhum conhecimento sobre gestão de empresa aérea.

- É como se retirasse o comandante do seu cockpit e o avião passasse a ser pilotado por um dos passageiros, e isso num momento delicado da aproximação de pouso e com o piloto automático desligado - exemplifica um comandante aposentado de 747 que está perplexo com o que está acontecendo na maior empresa aérea do país.

O resultado desastroso seria previsível e resultou na opção da empresa pela recuperação judicial. Se em 60 dias não for apresentado um projeto - viável - 120 dias depois será decretada a falência da empresa. Nesta reportagem, um acompanhamento dos 40 dias nos quais os variguianos foram colocados de lado e a cultura empresarial de 78 anos da companhia foi solenemente desprezada. Foi desperdiçado um tempo precioso que colocou a empresa neste vôo cego e agora escancaram na mídia a possibilidade de assumir, como pessoa física, o controle das ações da companhia.

Quando assumiu a empresa, há menos de 40 dias, o Conselho de Administração da Varig mal teve tempo de compreender com detalhes o gigantismo dos problemas que passaria a enfrentar. Os novos gestores chegaram com uma idéia preconcebida, típica de quem só conhece a administração da empresa pelos jornais e notícias da mídia. Pensavam que estavam desembarcando num grande balaio de gatos, com gestores medíocres e uma tropa carente de comando e agiram como se assim fosse. Se não desse certo, teriam um álibi perfeito para justificar uma abortagem de pouso. A culpa cairia na má imagem da Fundação Ruben Berta que, historicamente, tem sido culpada de afastar qualquer solução. Se desse certo, estariam a bordo de um contrato ad exitum, ou seja, teriam uma gorda participação do negócio milionário que estariam intermediando.

Sorridentes, bem vestidos, celulares em punho, os novos gestores traziam debaixo do braço currículos espetaculares. Um ex-embaixador, um brigadeiro da reserva, um ex-presidente de banco estatal, um ex-presidente de agência reguladora e um ex-dirigente de multinacional. Missão: gerir a escolha dos novos acionistas. Uma missão rápida, curta e com alta chance de remuneração. Quem não gostaria, estando praticamente reformado e afastado do cenário político, de ajudar a decidir os destinos da maior companhia aérea do país? Existiam 10 propostas firmes de novos acionistas e caberia a eles escolher uma ou usar a sua bagagem para atrair outros. Eles estariam resolvendo a escolha de uma proposta e iriam para casa com uma gorda comissão. Um negócio sem risco, rápido e indolor.

O mais prazeroso de tudo isso é que estariam recebendo um mandato pro tempore dos atuais acionistas para resolver um grave problema: o de trazer credibilidade a um processo confuso. Afinal, quem daria um tostão furado à tão ''mal-falada'' Fundação Ruben Berta?

Bem-intencionados, os sete membros do Conselho de Curadores da Fundação e também conselheiros de Administração da FRBpar, todos oriundos do segundo e terceiro escalão da companhia, colocaram tapete vermelho para receber os ''salvadores da Pátria''. Como prova de boa-fé, deram carta branca para o novo Conselho de Administração resolver tudo rápido. A companhia não tinha, porém, o seu bem mais precioso no transporte aéreo e para as empresas em dificuldade: o tempo.

Com o presidente-executivo demitido, depois de ter aberto mão espontaneamente da sua imunidade como membro do Conselho Curador, o caminho estava livre para a empresa ganhar um choque de ''credibilidade''. Só que não foi levado em conta o desempenho da gestão guilhotinada - que tinha trazido de volta o lucro operacional - que negociava positivamente com os fornecedores e o fato de a Varig ter apresentado um lucro operacional de R$ 450 milhões que se repetiu no balanço do primeiro trimestre.

Encastelados no poder, o que de verdade o novo conselho de notáveis realizou? E o que de fato aconteceu?

Eles escolheram uma proposta entre as 10 (todas as nove restantes foram descartadas) e todas as fichas foram colocadas em uma só solução. Uma solução que honestamente previa a não colocação de dinheiro. A única entre elas que não colocava recurso.

Mídia agitada, manchetes em jornais, entrevistas e a solução foi apresentada. O grupo de ''notáveis'' tinha resolvido enfim o problema da Varig.

Toda a pirotecnia resultou no que? Cadê o cheque salvador? Cadê o congelamento da ampulheta do tempo? O tempo foi implacável.

A sedução de estar sentado no comando de uma empresa de dimensões planetárias, que fatura R$ 8 bilhões por ano, mais do que a Gol e a TAM juntas, foi gigante e houve mudança de rota percebida até em Portugal. Do além-mar, veio a reinvenção do ovo de Colombo. Fruto de uma experiência e conhecimento de causa. Os dirigentes da TAP, experientes no ramo, emprestaram os seus conhecimentos e o ovo ficou em pé. Na mudança de rota, uma perigosa conclusão: ''se o modelo serve para eles, também servirá para a gente''. Uma conclusão notável, mas que para o dirigente de uma companhia internacional passou o sentimento de estarem sendo usados.

Quem quer deixar um emprego glamouroso? E com a chance de se perpetuar no comando de um caixa bilionário e capaz até de virar tutor das ações? No meio disso, ao contrário do que pensavam, descobriu-se uma empresa muito bem gerida, com um corpo técnico primoroso e obediente. A primeira reunião de diretoria durou exatamente 10 minutos. Depois, não houve despachos e compartilhamento de informações de gestões por duas semanas. Os diretores estatutários foram rebaixados ao nível de cidadão de segunda categoria. Perderam o direito de freqüentar o olimpo dos notáveis. ''Se a empresa vivia e voava sozinha, não vamos nos preocupar com isso''. Valorizar o corpo técnico com o compartilhamento de informações ficou fora de cogitação. Nestes expedientes e neste clima, a Varig viveu os 30 primeiros dias da nova gestão.

Os acenos do governo, como foram previamente alertados, não resultaram em nada de concreto. A ampulheta dava os seus últimos respingos. Reuniões e apostas numa Varig onde os credores, principalmente as empresas de leasing, virariam sócios. Como já havia perguntado o Mané Garrincha na véspera da Copa de 58: ''Tudo certo, mas vocês já combinaram o jogo com o adversário?'' E eles, os adversários, leia-se os credores, tiveram acesso através da imprensa a um documento onde o plano principal residia no ''não-pagamento''. Eles passaram a rezar para que o plano não fosse implementado. Só assim receberiam. Estava escrito e tornado público.

Mas a empresa continuava voando. O vice-presidente da República, José Alencar, recebe o grupo de notáveis. Limita-se a fazer promessas. Tudo é publicado na imprensa. Mas esqueceram de avisar a Infraero, que impunemente se rebela e descumpre a ordem do chefe supremo. ''Só voa se pagar à vista''. Ou foi insubordinação ou uma forma mineira de dizer ''não''. A BR Distribuidora também desmente um possível acordo. O Banco do Brasil sequer analisou o pleito. O então ministro José Dirceu afirma que a reunião foi uma pura perda de tempo. Até o ministro Antônio Palocci informou ter ido à reunião emprestando apenas os ouvidos e para proteger o tesouro nacional. Foi uma semana de desmoralização notável registrada na imprensa.

As empresas de leasing, assustadas com a formalização do não-pagamento, resolvem se proteger, desarrumando uma conversa de difícil equilíbrio, que tinha como fiel da balança a promessa de devolver os aviões na hora em que fossem solicitados. O ''acordo de fio de bigode'' funcionou durante anos - época em que a credibilidade da maior empresa aérea do país estava acima de suspeitas. Até que acontece um fato inédito na história da companhia: as empresas de leasing pedem os seus aviões de volta, entre elas a ILFC e a GATX, e todas iriam pelo mesmo caminho.

A empresa já estava então sem investidor real. Os notáveis passaram a se envolver no dia-a-dia, chegando a centralizar em uma só pessoa a emissão de qualquer passagem de cortesia e de serviço. Se um avião quebrasse em Miami no sábado, por exemplo, o mecânico só poderia embarcar para consertá-lo na segunda, depois da autorização do presidente. O impacto foi tão grande que a companhia perdeu mais de R$ 50 milhões só no operacional.

Mas eles não tinham sido contratados para escolher os novos investidores. Então, por que se envolveram na administração e resolveram esquecer a missão de curto prazo?

Para colocar mais querosene na história, o jornal O Estado de São Paulo publica que um documento foi apresentado aos curadores obrigando a transferência das ações da Varig para uma associação formada pelos notáveis como pessoa física. ''Ou assinam ou vamos embora'', publicou o jornal, sem que ninguém desmentisse a história.

Com um novo colapso institucional à vista, a diretoria executiva se auto-convoca. Não foi motim, eles queriam saber o que estava ocorrendo depois de terem sido ignorados durante semanas. O avião não poderia estolar (perder a sustentabilidade e cair como uma pedra) sem que ninguém fizesse nada. Os variguianos não escondiam o suor frio. Na mesma tarde, com a reunião de diretoria abortada pelo Conselho Curador, parte do colégio se reúne em clima de perplexidade no dia 15 de junho. ''O que vocês querem fazer com a empresa?'', pergunta um dos membros do Colégio deliberante ao colega membro do Conselho Curador.

Não havia solução notável. Havia só a possível. Na iminência do colapso institucional e do levante da tropa, o grupo recém-chegado estava em Brasília naquela quarta, alinhavando a medida que seria apresentada como uma bomba. Pediram até para o ex-ministro Pedro Malan, hoje no Unibanco, ligar para as empresas de leasing. ''Não tirem os aviões! A empresa não se recuperará do golpe''. Era o clamor em toda a companhia.

De Brasília, no próprio dia 15, um telefonema pede para marcar uma reunião no dia seguinte. ''Eles passearam pelos gabinetes federais e trazem novidades'', clamou um dos curadores, pedindo calma à tropa.

No dia seguinte, os notáveis desembarcam na Varig. Trancam-se a sete chaves com a diretoria executiva e o Conselho Curador. Antes, todos assinam um termo de confidencialidade. O pacto é de segredo tumular. Todos desligam os celulares. Naquele momento começa a ser escrita uma das mais dolorosas páginas da história da Varig.

Na mesa, a única alternativa que a ampulheta do tempo permitiu: recorrer à recuperação judicial. Uma viagem sem volta. Um mergulho em pleno vôo. Sem alternativas, com as demais opções descartadas, todos seguem unidos para a única porta de emergência que abriu.

Cadê os investidores, cadê as opções e alternativas apresentadas, que o grupo de notáveis foi convocado para resolver?

Mesmo com a saúde abalada, Harro Fouquet, um dos mais antigos e apaixonados funcionários da empresa e o único remanescente no conselho de administração, apesar de proibido pelos médicos e tendo a sua esposa como anjo da guarda para ajudá-lo nas crises de asma, fica até o último minuto. Nenhum outro compromisso o tiraria daquela missão. Ele faz um emocionado discurso e deixa a reunião direto para o hospital onde acaba ficando internado por vários dias. Alguns choram, outros lacrimejam e muitos fazem uma silenciosa reflexão sobre o que ocorreu.