Título: 'Bandeira ética foi jogada no lixo'
Autor: Clarisse Meireles
Fonte: Jornal do Brasil, 27/06/2005, País, p. A4

Expulsa do PT em 2003 por fazer oposição a Lula de dentro do partido, a senadora alagoana Heloísa Helena pode ser uma das pedras no sapato de Lula em 2006, roubando votos da parcela da esquerda insatisfeita com os rumos da atual administração. Apesar de considerar remotas suas chances de vitória, e de ressaltar que o P-Sol tem liberdade para indicar outro candidato, a senadora vem intensificando a linha de oposição, e, mesmo se dizendo triste com as acusações de corrupção no seio do PT, endurece críticas ao Planalto e afirma não acreditar que Lula possa ser inocente, em caso de comprovação do esquema do mensalão.

¿ A senhora foi expulsa do PT por não concordar com os rumos do governo Lula. Como vê a atual crise política? ¿ Perguntam se comemoro a traição às concepções ideológicas da esquerda socialista-democrática e aos desvios éticos inimagináveis que testemunhamos. O ¿tribunal de inquisição partidário¿ pelo qual passamos foi justamente porque condenamos a promiscuidade nas relações entre o Planalto e o Congresso Nacional. Mas isso é muito doloroso, não posso comemorar. Cria uma generalização perversa. É mais doloroso quando é patrocinado pelo PT porque a bandeira da ética sempre foi preciosa. Quando é jogada no lixo da História pela cúpula do Planalto e pelo Governo Lula, cria um obstáculo gigantesco especialmente para a esquerda.

¿ A que tipo de promiscuidade entre o Planalto e o Congresso a senhora se refere? ¿ Já identificávamos um processo de degeneração, burocratização, flexibilidade tática na política de alianças para corresponder à medíocre matemática eleitoralista. Mas mesmo nós não conseguíamos imaginar que veríamos o que presenciamos agora: tráfico de influência, intermediação de interesses privados, exploração de prestígio, balcão de negócios sujos.

¿ Acredita que a crise pode ter um efeito positivo, ajudando a acelerar a reforma política? O Governo adotou a manobra diversionista ao retirar o José Dirceu do Governo e criar uma farsa política: agenda positiva e reforma política. Isso faz parte das velhas táticas de superação de crises. Mas fico enojada com cenas como a do presidente às gargalhadas com Renan Calheiros, Michel Temer e Mercadante, enquanto o país está afundando em crises. Podiam ao menos se mostrar sisudos e constrangidos.

¿ O P-Sol não se beneficiaria, surgindo como uma opção mais à esquerda? ¿ A crise é ruim para o aprimoramento da já combalida democracia representativa, e muito pior para a esquerda. Quando as denúncias de corrupção e os indícios de crimes contra a administração pública eram patrocinados pela direita, fazíamos a crítica com prazer e ferocidade. Hoje, a direita carcomida e cínica é parte do governo Lula, e este reproduz o que condenamos com veemência. Além de legitimar a verborragia neoliberal do Fernando Henrique Cardoso, que condenamos ao longo da nossa história, o PT ainda incluiu a distribuição do aparelho do estado a conhecidos delinqüentes de luxo.

¿ No caso de se confirmarem as denúncias, a senhora acha possível que Lula não soubesse do esquema de corrupção? Nunca compartilhei com a visão preconceituosa de que Lula é um fraco, que não administra. Ele é brilhante. Ninguém se torna a maior liderança da América Latina à toa. Só que essa avaliação serve para o bem e para o mal. Como conhecedora da máquina partidária, afirmo que é impossível o Ministro José Dirceu, Delúbio Soares e Silvinho Pereira patrocinarem qualquer ação dentro do governo sem autorização e consentimento do presidente. A CPI pode mostrar que todos são inocentes. Inclusive os que estão sendo denunciadas. Mas ou todos são inocentes ou todos culpados.