Título: O legado de Brizola
Autor: Geraldo Tadeu Moreira Monteiro
Fonte: Jornal do Brasil, 24/06/2005, Outras Opiniões, p. A11

Costumamos ouvir de inúmeros analistas que ''o Brasil é um país carente de heróis'', que somos ''um país sem memória'' e que os políticos só pensam em se locupletar. Tudo isso num círculo vicioso que nos desola e nos faz descrer diante da enormidade dos problemas nacionais. Em verdade, hoje, diante da derrocada do último mito de pureza política a que estamos assistindo, precisamos de uma campanha de marketing para fazer o brasileiro acreditar de novo no Brasil. O momento atual nos faz lembrar dos líderes de outrora, que acreditaram no país, que lutaram e que nos deixaram um legado. Decorrido um ano de sua morte, completado esta semana, é hora de avaliarmos o que nos deixou Leonel Brizola.

Não é demais recordar as multidões desamparadas que subitamente brotaram nas ruas do Rio de Janeiro para se despedir do ''velho caudilho'' que, apesar da idade avançada, precocemente deixava a política. Nenhum analista político imaginaria que, após uma fracassada campanha para o Senado, Brizola ainda pudesse despertar tanta comoção. Muitos à época duvidavam da capacidade do PDT de prosseguir viagem na política brasileira sem seu fundador e líder máximo. Que estranhos e contraditórios sentimentos esse homem representava para nós brasileiros?

Brizola é sem duvida o último dos nossos grandes líderes. Depois dele não se viram mais movimentos genuinamente populares como o brizolismo, que atravessou gerações. Nossos políticos hoje mal atravessam um mandato. Como líder político de grande envergadura, despertou paixões à esquerda e à direita. Homem de convicções, pagou mais de uma vez pela coerência, como na crítica solitária ao Plano Cruzado. Acusado pela direita de incendiário, capitaneou, em 1961, a ''campanha da legalidade'' pela defesa da Constituição; atacado pela esquerda, foi quem encampou, no Rio Grande, a americana ITT para escândalo da banca internacional. Tido como caudilho e autoritário, Brizola, de volta de um longo exílio, fundou um partido político, o PDT, que se tornou a grande escola da política fluminense. As principais lideranças políticas do Rio nos últimos vinte anos estiveram nas hostes brizolistas, dos ex-governadores Marcello Alencar e Anthony Garotinho, à governadora Rosinha, passando pelos ex-prefeitos Jamil Haddad, Saturnino Braga e pelo prefeito César Maia.

Como governante, provavelmente foi o que mais priorizou a educação, com as mais de seis mil escolas construídas no Rio Grande do Sul entre 1959 e 1963 e com os 500 CIEPs no Rio de Janeiro. Em seus governos, deixou obras de vulto, como a Linha Vermelha e o Sambódromo, que mudaram a face da capital fluminense. Sempre lembrado como oposicionista empedernido, Brizola foi pragmático o bastante para conviver com o general Figueiredo e mesmo com Collor, o adversário da véspera. Na política eleitoral, soube reconhecer as derrotas e apoiar os candidatos de esquerda, Lula principalmente. Na política nacional, sempre foi nossa ''consciência crítica'' a apontar erros e desvios, como o fez pioneiramente entre os aliados ao criticar a política econômica do governo Lula.

Brizola, como ser humano, não foi isento de contradições e de equívocos, como o apoio aos revoltosos da Marinha, o que antecipou o golpe de 1964, a defesa da prorrogação do mandato do general Figueiredo ou o apoio - ainda que administrativo - a Collor de Mello. Seus erros, entretanto, diluem-se no conjunto de sua obra, marcada pela coragem e pela coerência política e ideológica, além da honestidade pessoal e política. Seguindo o exemplo pessoal de Vargas, Brizola nunca teve de explicar à opinião pública ou ao Fisco a origem de seus bens, fato que no Brasil de hoje parece bastante raro.

Certamente, muitos leitores deste artigo ainda torcerão o nariz, remoendo velhos chavões contra Brizola enquanto outros tantos vão se regozijar com a lembrança do ''velho caudilho''. Personagem complexo, Brizola deixou-nos pelo menos um legado: a crença no Brasil e principalmente na capacidade, na criatividade e na generosidade do seu povo.