Título: Risco de retrocessos
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 26/06/2005, Opinião, p. A10
A despeito da boa notícia de que, empurrada pela pressão popular diante da espantosa combinação entre vida parlamentar e negociatas espúrias, a tão desejada reforma política começa a andar no Congresso, é preciso estar atento aos riscos de retrocesso que rondam a sua tramitação. A aprovação, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, do projeto que dormia há meses na gaveta é um exemplo eloqüente de tal ameaça - na qual se combinam propostas relevantes com equívocos evidentes. Na conjugação entre boas e más idéias, o projeto inclui, por exemplo, financiamento público para as campanhas eleitorais e a imposição de regras mais rígidas para estimular a fidelidade partidária. Reduz, no entanto, a chamada cláusula de barreira dos partidos de 5% para 2% dos votos de todo o país. O primeiro índice fora definido há dez anos e valeria para as eleições de 2006. Significaria o freio à proliferação de legendas, uma das causas das dificuldades de os governos obterem maiorias estáveis no Legislativo.
Se o plenário da Câmara aprovar e o Senado ratificar a proposta da CCJ, partidos que consigam somente 2% dos votos para deputado federal em todo o Brasil continuarão com amplo acesso à propaganda de rádio e TV e aos recursos do Fundo Partidário. Atualmente há 28 partidos no país. Com a cláusula de desempenho definida em 5%, sete legendas garantirão esse direito. Pela nova proposta, porém, esse número chega a 14. Preservam-se, assim, partidos nanicos, muitos dos quais exemplos notórios de cabide de aluguel.
A esta reação contra o saneamento do quadro partidário (estimulada, por um lado, pela defesa de sobrevivência do PCdoB, e por outro pelo apoio a legendas como PP, PL e PTB, focos das denúncias atuais), acrescenta-se outra ameaça à esperada modernização da legislação eleitoral: o voto por meio de lista fechada. O risco é que, com tal medida, as direções partidárias passem a ter mais um elemento de controle dos filiados.
O passado e o presente da história política brasileira sugerem, afinal, que, no Brasil, os partidos têm donos certos. Em geral, oligárquicos, personalistas. Hoje conduzidas pela mão pesada dos caciques regionais e nacionais, as legendas se tornariam ainda menos democráticas com a possibilidade de transferência, para a cúpula partidária, da definição dos candidatos submetidos ao voto popular.
Não é demais insistir: a mãe de todas as reformas de que o país necessita não expurgará os vícios incrustados nas raízes da política nacional. Tampouco recomporá de imediato a confiança da população em seus representantes. Constitui, porém, um passo imprescindível para reduzir os focos de corrupção e de instabilidade nas relações entre Executivo e Legislativo, assim como diminuir a crescente distância entre o eleitor e a política. A ausência de confiança de lado a lado confirma-se no perturbador desprezo popular pela atividade parlamentar.
A urgência de se combater tais inquietações, porém, não pode converter-se em medidas de claro retrocesso a uma legislação vocacionada para brechas ao fisiologismo, à infiltração de criminosos na vida pública e à aprovação de projetos relevantes por meio de odiosas ''mesadas''.