Título: Mudando destinos
Autor: Germano Rigotto
Fonte: Jornal do Brasil, 26/06/2005, Outras Opiniões, p. A11

Existem no Brasil cerca de 25 milhões de jovens na faixa etária entre 12 e 18 anos. Treze mil e quinhentos estão sob cuidados das instituições estaduais que, em conformidade com o Estatuto da Criança e do Adolescente, abrigam os que tenham cometido ato infracional grave, violento, contra o patrimônio ou a integridade física alheia. São aqueles que, por ordem judicial, em conformidade com o Estatuto, devem ficar internados para ressocialização por um período não superior a três anos. Em outras palavras, de cada dois mil jovens brasileiros nessa faixa etária, apenas um está enquadrado na referida prescrição legal.

Como se vê, não é problema gigantesco nem insuperável. Ao contrário, é quantitativamente muito inferior ao dos adolescentes que praticam, habitualmente, infrações de menor gravidade. Tanto estes últimos quanto aqueles, contudo, reduzir-se-iam significativamente em número se as autoridades municipais, às quais incumbe, por força do Estatuto, as primeiras medidas de reeducação, estivessem conscientizadas para a escalada da criminalidade juvenil que inicia nas ruas das cidades, com os pivetes e seus pequenos delitos.

Pesquisa nacional realizada entre jovens, publicada no dia em que escrevo este artigo, mostra dado preocupante: 91% deles não acreditam que quem consome droga gere violência. No entanto, quase cem por cento dos menores sujeitos à contenção nos Centros de Atendimento Sócio-Educativo do Rio Grande do Sul são usuários de drogas. É evidente a relação de causa e efeito entre tal consumo e a prática de delitos de maior agressividade. Creio que essa contradição estabelecida entre o senso comum dos jovens e a realidade social expõe a necessidade de ainda maior esclarecimento à juventude sobre as terríveis conseqüências do uso de drogas.

Pusemos em marcha, no Rio Grande do Sul, um amplo conjunto de medidas de caráter sócio-pedagógicos com efeitos sobre a estrutura de atendimento ao adolescente. A antiga Febem, já há alguns anos, foi desmembrada em duas instituições: a FPE e a Fase. A primeira - Fundação de Proteção Especial - passou a cuidar de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade ou risco social bem como portadores de deficiência e a Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (Fase) a atender os que estejam submetidos ao cumprimento de regime de internação ou semiliberdade pela prática de ato infracional.

Hoje, os 1096 adolescentes em conflito com a lei sob nossos cuidados estão distribuídos em 16 Centros de Atendimento Sócio-Educativo (Cases). Estivessem concentrados num único local, aquilo que deveria ser e estamos fazendo com que seja uma rede de escolas de ressocialização, se tornaria uma grande universidade da violência e da criminalidade juvenil. Ademais, em cada Centro, os jovens estão separados por idade, perfil social e compleição física, sob os cuidados de monitores, educadores e especialistas: médico, dentista, psiquiatra, psicólogo, advogado, enfermeiro, auxiliar de enfermagem, técnico educacional, técnico em recreação e assistente social.

Existe forte contenção externa, mas o ambiente interno é de distensão, com atividades educativas voltadas para as faixas etárias, as vocações econômicas regionais e a identificação de talentos específicos. Cada jovem que ingressa numa dessas casas participa da elaboração de seu próprio programa de ressocialização, do qual é co-autor e protagonista, com ênfase para a formação de valores, a escolaridade perdida e a profissionalização. E eventuais privilégios, para ascender da contenção absoluta, intramuros dos estabelecimentos, para a liberdade assistida em atividade externa, dependem deles próprios.

Para que tudo isso acontecesse, para que estejamos a 16 meses sem motins nos nossos estabelecimentos, foi necessário mudar paradigmas, vencer resistências corporativas e investir recursos significativos. Temos a plena consciência, no entanto, de que estamos lidando com uma UTI social. E UTI custa caro, mas salva vidas. Ao ressocializar cada jovem estamos salvando a vida dele e, certamente, a vida e a integridade física de muitos cidadãos - não raro seus próprios familiares - que estariam sob risco caso não agíssemos positivamente sobre seus destinos.