Título: O Conselho Nacional de Justiça
Autor: Áurea Pimentel Pereira
Fonte: Jornal do Brasil, 26/06/2005, Outras Opiniões, p. A14

A Carta Política brasileira de 1988 é, atualmente, verdadeira ''colcha de retalhos'', resultado da introdução, nela feita pelo legislador constituinte derivado, de sucessivas emendas, algumas delas editadas, exclusivamente, por atender à necessidade de harmonizar a Lei Maior com os fracassados planos econômicos implantados no país. A Emenda Constitucional 45/2004 trouxe em seu texto, como novidade, a criação do Conselho Nacional de Justiça, cuja existência, como órgão do Poder Judiciário, está prevista no inciso I A, do Art. 92 da Constituição Federal de 1988.

A idéia da criação de um Conselho de Justiça, com dimensões nacionais, até poderia merecer aplausos, levando em conta o objetivo maior que inspirou sua criação, qual seja o de tornar-se efetiva uma fiscalização mais rigorosa, em torno do cumprimento dos deveres funcionais pelos juízes, que, por vezes, pode escapar ao controle interno dos tribunais.

O Conselho Nacional de Justiça, nos termos em que foi concebido na Emenda Constitucional 45/2004 - venia concessa do colendo STF, que, recentemente, proclamou a constitucionalidade da norma da referida emenda, que a existência do conselho disciplinou - estaria, todavia, na nossa visão, a merecer crítica, por motivos muito especiais.

Inicialmente, impende assinalar que, de absoluta atecnia legislativa, foi o alinhamento, feito no Artigo 92 da CF 88, pela EC 45/2004, do Conselho Nacional de Justiça, com órgão integrante da estrutura do Poder Judiciário.

É que difícil é conceber-se, como órgão do Poder Judiciário, um conselho, ao qual o texto constitucional não atribuiu - e nem isso seria possível - função jurisdicional, sabidamente, missão precípua de referido poder (Art. 5º XXXV), tão-somente conferindo-lhe o encargo do controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e dos atos dos magistrados, no que diz respeito ao cumprimento de seus deveres funcionais (Art. 103 B § 4º CF 88 - redação dada pelo Art. 2º EC 45/2004).

Mais difícil, ainda, é entender-se a competência, paralela à do Tribunal de Contas, que, no inciso II § 4º do Art. 103B, foi ao referido conselho atribuída - de apreciar, de ofício, desconstituir ou rever atos administrativos praticados por magistrados.

Com efeito, como é sabido, a Constituição Federal de 1988 assegurou ao Poder Judiciário autonomia administrativa e financeira (Art. 59), em seu Art. 74, tendo inserido previsão que obriga os poderes da nação a manter, de forma integrada, o controle interno dos atos, no âmbito administrativo e financeiro dos respectivos poderes praticados, não sendo demais lembrar que, para o controle externo de tais atos, existe órgão com missão institucional específica (Tribunal de Contas)

Se assim é, não se alcança que razão outra - senão o propósito de atingir a autonomia e a independência do Poder Judiciário - teria levado o legislador constituinte derivado a criar o Conselho Nacional de Justiça, tendo a integrá-lo, ao lado de magistrados, pessoas absolutamente estranhas ao referido Poder, outorgando-lhe competência - como expressamente se declarou o § 4º do Art. 103B da Carta Magna (redação da EC 45/2004 - para o controle dos atos administrativos praticados pelos membros do Poder Judiciário e fiscalização do cumprimento, por parte destes, de seus deveres funcionais.

Como já se disse, anteriormente, a criação de um Conselho Nacional de Justiça, com os poderes previstos na EC 45/2004 - desde que composto fosse o referido conselho, exclusivamente, de membros da magistratura -, até poderia merecer aplausos da magistratura do país.

A composição do conselho, com pessoas estranhas ao Poder Judiciário, é que, na nossa visão, estaria em testilhas com a norma pétrea da tripartição dos poderes, ínsita no Art. 2º da Constituição Federal de 1988.

O colendo Supremo Tribunal Federal, contudo, assim, não entendeu, tendo reconhecido a constitucionalidade da norma da EC 45/2004, que criou o Conselho Nacional de Justiça com tal composição.

A questão constitucional encontra-se, portanto, a esta altura, definitivamente decidida.

A grandeza da matéria decidida justifica, nada obstante, o registro dessas breves reflexões, para que despertem as consciências no sentido da absoluta necessidade de se preservar no país a existência de um Poder Judiciário, forte e independente, o que é sumamente importante, para as instituições, no estado democrático de Direito.