Título: O presidente dos pobres
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Fonte: Jornal do Brasil, 26/06/2005, Internacional, p. A15

''Primeiro vem Deus, em segundo lugar Ahmadinejad'', exclamou uma iraniana, escondida por trás de um chador preto, a vestimenta tradicional das mulheres no país. Ela pisava em uma bandeira dos EUA, pintada no chão, próximo à zona eleitoral a que acudiu o recém eleito presidente do Irã, o ultraconservador Mahmoud Ahmadinejad, na sexta-feira.

Quinto colocado nas pesquisas de intenção de voto, o prefeito de Teerã surpreendeu a todos ao chegar ao segundo turno inédito no país com o clérigo moderado Akbar Hashemi Rafsanjani, apoiado por partidos pró-reformas e pela classe alta, que temiam que os conservadores assumissem o monopólio do poder no Estado Islâmico.

Mas a sua popularidade entre a classe pobre, rural e urbana, superou novamente as expectativas. O modesto político, de 49 anos, filho de um ferreiro e dono de um carro modelo popular, foi eleito com 61.7% dos votos - número oficial divulgado ontem. De aparência simples e discurso duro, era considerado o mais conservador dos oito candidatos da disputa.

- O povo espera dos fundamentalistas que lhe sirva - explicou num comício o representante da nova direita ideológica, oposta à liberalização social promovida pelo presidente Mohamed Khatami, que está deixando o posto depois de dois mandatos seguidos. Fundamentalista, para Ahmadinejad, é o apegado aos valores islâmicos e revolucionários.

Na visão do ex-especialista do Conselho de Vigilância - órgão que obstruiu as reformas do governo de Khatami - a onipotência dos conselhos não eleitos pelo voto popular do regime teocrático não é questionada.

Ex-oficial do Exército ideológico iraniano dos Guardiães da Revolução, o homem franzino e seco, de olhar penetrante e barba negra, era um desconhecido do público até chegar à prefeitura de Teerã, em maio de 2003, beneficiado por uma baixa participação eleitoral.

Enquanto seu rival no segundo turno do pleito, o ex-presidente Rafsanjani, era atacado pela suposta fortuna e corrupção no governo de Teerã, o presidente eleito, natural da província de Semnan, no Norte, cultiva a imagem de homem do povo. Usa trajes simples e, como prefeito da capital, não deixou sua modesta casa no bairro de Narmak - que a população considera prova de um estilo de vida incorruptível.

- Sua casa é ali, próxima à minha - conta Masoud Hadizadeh, ao falar sobre o agora presidente do país. - É como a gente, muito disponível.

Uma mulher descreve como, desempregada e sem recursos, apelou ao então prefeito. Ele prestou atenção, escreveu uma carta e ela conseguiu um trabalho servindo chá na prefeitura.

Ahmadinejad se vangloria de não ter usado a estrutura municipal para a campanha presidencial. Mas destituiu o chefe de redação do jornal local que se negou a apoiá-lo.

A população comum, ameaçada pelo desemprego e pela inflação, lembra mais de sua ação contra os engarrafamentos endêmicos do que das restrições culturais, do fechamento de restaurantes e do estrito código de vestimenta imposto aos funcionários municipais.

De todos os candidatos, Ahmadinejad era o que menos parecia inclinado ao Ocidente:

- Os EUA romperam com o Irã para pressioná-lo. Se querem restabelecer as relações é pelas mesmas razões. Não queremos isso - afirma.

E sua vitória vitória não é boa notícia para jornalistas presos ou dissidentes. Durante a campanha, defendeu a adoção de uma atitude vigilante em relação aos que ''violam a lei da República Islâmica''.