Título: ''O governo gasta demais''
Autor: Luciana Otoni
Fonte: Jornal do Brasil, 26/06/2005, Economia & Negócios, p. A20

Em uma decisão firme, porém permeada de controvérsias, o governo reafirmou o centro da meta de inflação em 4,5% para 2006, mantendo o mesmo percentual para 2007. Na avaliação de Heron do Carmo, que por 25 anos coordenou o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), a decisão foi correta. Ele considera que há condições para que no próximo ano o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), parâmetro oficial, do IBGE, fique próximo do alvo. Ele explica como combustíveis, alimentos e contas de energia, telefonia e pedágios influenciam a inflação e como um outro índice com forte influência da variação dólar/real, o Índice Geral de Preços (IGP), pode ajudar na estabilidade de preços. O economista diz que nessa guerra a sociedade deu sua cota de sacrifício e que passou da hora de o governo adotar um rigoroso corte de gastos, para evitar que só apenas os juros sejam usados para debelar as pressões de preços.

¿ A decisão de fixar meta de 4,5% para a inflação em 2006 e 2007, tomada pelo Conselho Monetário Nacional, é correta? ¿ Foi uma decisão de bom senso, 2006 será um ano eleitoral e em 2007 teremos o início de outra gestão e esses são períodos em que podem ocorrer alterações de rumos, principalmente se houver mudança de governo. O percentual escolhido também torna compatível o sistema de metas de inflação com o crescimento e permitirá o início da redução da taxa de juros.

¿ Quando o Banco Central poderá reduzir os juros? ¿ A inflação dá mostras de convergência para a meta. Se considerarmos os últimos cinco meses, a taxa média é de 0,65%. A perspectiva é que fique em 0,4% nos últimos sete meses do ano. Baixar os juros é uma decisão técnica que possui um componente político e depende da estratégia do BC. O mais provável é que ocorra em setembro porque serão conhecidos os índices de agosto e as estimativas da Fipe e da Fundação Getúlio Vargas. Com isso, o BC terá mais elementos para decidir.

¿ Em que condições o BC sentirá segurança para iniciar o corte da taxa básica de juros? ¿ Há uma situação paradoxal: a inflação acumulada em 12 meses terminados em maio ficou em 8,05%, mas o mercado prevê 5% para 12 meses adiante e o BC só terá confiança para reduzir a taxa quando a inflação em 12 meses ficar abaixo de 7%. Calculo que em setembro poderemos chegar a 6,5%.

¿ Se esse corte nos juros ocorrer, como se dará? ¿ De forma cautelosa, algo em torno de 0,25% ao mês.

¿ É possível que o IPCA atinja o centro da meta de 4,5%? ¿ Em 2006, em algum momento no tempo poderá ocorrer. Penso que em maio quando o IPCA tiver incorporado o índice baixo de junho deste ano.

¿ Que fatores serão determinantes? ¿ A taxa de juros, que, ao ser mantida elevada por um período mais longo, afeta a economia, os efeitos da taxa do câmbio e a ausência de pressões nos preços de commodities, exceto talvez o petróleo. Também não teremos os efeitos negativos de quebra de safra, nem as repercussões do ciclo eleitoral. Em 2004, as principais prefeituras não reajustaram tarifas de serviços públicos, acumulando dois anos de reajuste que foram concedidos em 2005.

¿ A redução do IGP pode facilitar na queda do IPCA? ¿ Sim, mas essa é uma explicação complementar porque há o efeito dos juros e do câmbio. O aumento dos juros afeta o câmbio e, quando o real se valoriza, o ritmo de alta do IGP perde força porque esse é um índice com forte peso de commodities, isso favorece a queda do IPCA.

¿ A incerteza no preço do petróleo não é um risco? ¿ O preço do barril subiu em 2004 e depois recuou e agora sobe novamente. O importante é notar que a alta do petróleo foi mais que compensada pela valorização do real.

¿ No contexto de juros altos, redução da produção e falta de investimentos, buscar inflação inferior a 5% não enfraquece ainda mais a economia? ¿ Aumentar a meta seria um contra-senso e não teríamos crescimento de longo prazo por conta disso.

¿ Falta um programa de revisão dos gastos públicos? ¿ A política monetária (foi ao seu limite, é preciso reforçar a política fiscal. Usando uma metáfora do faroeste, o Banco Central é o mocinho, e o governo, enquanto gastador, é o bandido. Mesmo que as pessoas não vejam, é isso o que ocorre. A Fazenda e o Planejamento precisam avaliar todos os gastos com custeio e programas sociais.

¿ Há o sacrifício social, mas o governo está fazendo a sua parte? ¿ Em parte não. O governo vem gastando mais e de forma errada. Aumentam as despesas de custeio (cargos de confiança, passagens, aluguéis) cobertos com recursos extraídos da sociedade. É preciso reduzir essas despesas, estimular o investimento público e, com isso, alavancar o investimento privado.

¿ O sr. defende o aumento da meta de superávit primário? ¿ Defendo que o superávit seja mantido, mas que os gastos com custeio sejam reduzidos. Se isso não se mostrar viável, será necessário ampliar o superávit primário (a meta é de 4,25% do PIB). O fundamental agora é aumentar a taxa de investimento na economia.

¿ Por quê? ¿ Porque, se o investimento público aumentar, alavanca o investimento privado, a economia cresce mais e o governo arrecada mais sem aumentar a participação das receitas no PIB. Os ministérios da Fazenda e do Planejamento precisam avaliar todos os gastos com custeio e também os programas sociais.

¿ Por que os programas sociais? ¿ Parece que há uma dispersão. Foi criada uma multiplicidade de projetos e nada é avaliado. Qual é a avaliação do Fome Zero? Nenhuma. Em algumas áreas do governo, há qualidade de gestão e, em outras, não. Talvez seja papel do Ministério do Planejamento cuidar disso. Talvez seja melhor reduzir alguns programas e ampliar as verbas da educação, principalmente no ensino básico.