Título: Reajustes em superdosagem
Autor: Cristiane Crelier
Fonte: Jornal do Brasil, 26/06/2005, Economia & Negócios, p. A24

Enquanto operadoras do sistema elétrico, de telefonia, entre outros serviços regulados por agências têm que respeitar os índices de inflação em seus reajustes anuais, os planos de saúde impõem a seus clientes aumentos bem superiores a esses patamares. Desde que a Agência Nacional de Saúde (ANS) passou a regular o setor, em 2001, foram autorizados aumentos que, acumulados, totalizam 62% de reajuste nas mensalidades dos planos de saúde. Este ano, porém, o reajuste trouxe a novidade do ''resíduo'' para algumas operadoras - aquelas (aquelas que tentaram aplicar aumentos acima do percentual máximo autorizado pela ANS para 2004). Com isso, a média de aumento para os consumidores dessas operadoras nos últimos quatro anos é de 83%, contra uma inflação acumulada de 51% no período, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Desde sua criação, o órgão regulador do setor de saúde autorizou aumentos 62,75% acima da inflação no período. A ANS estabelece o limite máximo de aumento, mas o aumento pode ser inferior para cada operadora, porque a aplicação do reajuste depende de avaliação da agência - de acordo com as propostas apresentadas pelas empresas com base em seus custos e carteiras de associados, entre outros.

No ano passado, porém, algumas operadoras aplicaram em seus contratos antigos (anteriores a 1999) aumentos muito acima do autorizado - que chegavam a 80% em alguns casos. Diante das reclamações dos consumidores, tiveram que voltar atrás. Para não serem multadas, as empresas - Bradesco, Sul América, Amil, Itaú e Golden Cross - tiveram de assinar um ''termo de ajustamento'', através do qual a ANS se propunha a permitir um aumento residual no ano seguinte, desde que as empresas concordassem em reajustar os contratos antigos pelo mesmo percentual aplicado aos novos, de 11,75%. A Bradesco Saúde e a SulAmérica ficam com os maiores aumentos: 25,8% e 26,1%, respectivamente - soma dos 15,67% estabelecidos para este ano mais os resíduos de 9,02% à SulAmérica e 8,76% ao Bradesco.

- O que eu pago é muito e com dificuldades. Meu marido e eu gastamos R$ 1.077 com plano de saúde, que pouco usamos. Já nossa aposentadoria praticamente não aumenta. Não podemos abrir mão do plano, mas o impacto será grande na nossa renda - comenta Raquel Nigri, de 83 anos, segurada do Bradesco.

Para o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) a cobrança do resíduo é ilegal.

- O percentual é abusivo e essa metodologia que eles usam é questionável. Não pode haver resíduo se a ANS estabeleceu que seria um índice único de reajuste para todas as operadoras. A ANS está descumprindo normas que ela mesma estabeleceu. As operadoras alegam a pressão dos custos médico-hospitalares, mas esses custos são calculados individualmente pelos planos de saúde, ou seja, não têm qualquer caráter oficial - afirma a advogada Lumena Sampaio, do IDEC.

O advogado Marcos Zumba, da Associação Nacional Centro de Cidadania em Defesa do Consumidor e Trabalhador (Acecont), recomenda aos usuários dos planos antigos avaliar a possibilidade de mudar de plano e de operadora.

- Os novos planos oferecem, obrigatoriamente, cobertura completa, e não sofrerão aumentos tão absurdos. Uma opção pode ser procurar planos de operadoras mais baratas e aplicar todo mês em uma poupança a diferença do que iria pagar em seu plano mais caro, para garantir o conforto em caso de uma emergência. Mesmo porque os planos mais caros não cobrem métodos avançados de cirurgia, entre outras coisas. O dinheiro guardado poderia servir para pagar a diferença entre a cirurgia que o plano cobre e o procedimento mais moderno.

Procurada, a Bradesco Saúde informou que a Federação Nacional das Seguradoras (Fenaseg) é quem responde pelas operadoras. A Fenaseg, por sua vez, informa que a observação dos custos médico-hospitalares é a forma mais adequada de se evitar o desequilíbrio nas contas das empresas. Já a SulAmérica alega que o aumento obedece à metodologia da ANS.

- O acordo assinado com a ANS, que previa a nova metodologia para o cálculo, teve a anuência do Ministério da Justiça, através da Secretaria de Direito Econômico, à qual estão vinculados todos os Procons. Assim, entendemos que as entidades de defesa do consumidor estavam representadas e que ficou claro o que ocorreria a partir de julho deste ano - conclui João Alceu, vice-presidente da Sul América Saúde, ao comentar a decisão dos órgãos de defesa do consumidor de recorrer dos reajustes na Justiça.

A ANS informou que só se pronunciará sobre as ações na Justiça quando for oficialmente notificada.