Título: Medicina preventiva - medicamentos
Autor: Sérgio Abramoff
Fonte: Jornal do Brasil, 25/06/2005, Outras Opiniões, p. A11

Em uma fase de tantos recursos tecnológicos, e tantas possibilidades diagnósticas, devemos nos municiar de uma especial atenção ao bom senso, para evitarmos excessos de exames, de diagnósticos e de remédios. É importante sim, que façamos uma minuciosa bateria de exames anuais, de preferência nem sempre os mesmos, para priorizar pontos fracos individuais ou familiares, e personalizar a estratégia de prevenção.

No entanto, é também fundamental que, uma vez de posse da avaliação, possamos evitar uma excessiva preocupação com os resultados, sabedores de que acidentalomas (achados por acidente, sem muito significado clinico) são cada vez mais freqüentes, e devem ser acompanhados evolutivamente. Exemplos seriam os nódulos de supra-renais, nódulos tireoideanos menores que 1 cm, divertículos assintomáticos, hemangiomas hepáticos, pequenos nódulos pulmonares de alta densidade, cistos renais, cálculo biliar acima de 1 cm e assintomático, gliose cerebral, hérnias de disco assintomáticas, e outros casos.

Quanto aos remédios, muita precaução, pois a cada novo nome acrescido na lista de um paciente, aumentam em muito as interações medicamentosas e os efeitos colaterais observados. No Brasil as estatísticas são deficientes, mas nos EUA ocorrem a cada ano 2 milhões de complicações no uso de remédios, que resultam em 180.000 mortes ou situações de alto risco, estatística apenas relativa à população idosa.

Somente em um ano (2003) gastou-se 216 bilhões de dólares em medicamentos! As cifras do marketing da indústria farmacêutica também assustam: 25 bilhões de dólares anuais (incluindo aí passagens a médicos para congressos, bem como palestras sobre temas relativos aos medicamentos a serem alavancados, brindes, folhetos, e incentivos à pesquisa de interesse dos laboratórios).

Se perdêssemos a preguiça e realmente fizéssemos meia hora de exercícios diários, e fôssemos persistentes em uma dieta (sem o uso de bolinhas anfetamínicas), certamente cortaríamos nossos remédios a menos da metade, e nosso risco de infarto em 70% (gasta-se 14 bilhões de dólares anuais em remédios contra colesterol alto, e consegue-se uma redução bastante mais modesta do que estes 70%).

O risco de diabetes também seria reduzido em 60% com os mesmos exercícios e dieta. Quem toma insulina ou hipoglicemiantes orais (no controle do diabetes, assim como na hipertensão, aconselha-se o uso de vários medicamentos associados) sabe o quanto pesa no orçamento mensal os remédios necessários ao controle de suas doenças.

Infelizmente, vários fatores de risco se acumulam no paciente sedentário e obeso, interligados por uma disfunção (Síndrome Metabólica) das células de gordura acumuladas na região abdominal, cujos receptores passam a não responder à presença de insulina. É como se perdêssemos a chave da porta de entrada da glicose para dentro das células. A glicose fica então acumulada no sangue, e os tecidos ficam carentes desta fonte de energia. As células-beta pancreáticas possuem receptores que respondem a este acúmulo de glicose aumentando a produção de insulina até a exaustão. Fechando o círculo vicioso iniciado pela obesidade, este aumento da insulina no sangue provoca a hipertensão arterial e o acúmulo de colesterol no sangue, construindo o cenário perfeito para o infarto do miocárdio, principal vilão às nossas aspirações de uma vida longeva e saudável. O diabetes é hoje visto como um dos componentes desta síndrome metabólica, e não apenas como um aumento da glicose no sangue.

Um recente trabalho publicado na revista Jama (The Slone Survey, 2002), mostrou que 25% das mulheres americanas idosas tomavam mais de 5 remédios por dia, e 10% delas tomavam mais de 10 remédios diferentes! Isto sem contar as vitaminas, ervas, chás terapêuticos, etc. Sòmente com a azia, outro sintoma comum que afeta 25 milhões de americanos, são gastos US$ 13 bilhões anuais em antiácidos e protetores gástricos. A interrupção do fumo, dieta e exercícios seriam igualmente eficazes.

Parando de fumar aos 40 anos, estaríamos ganhando 9 anos de vida. Se parássemos aos 50 ganharíamos 6 anos de vida. Até quando seguiremos pensando na saúde apenas quando adoecemos, até quando seguiremos optando por mais medicamentos e menos prevenção?